A quem serve a ideologia de gênero nas escolas?

Dayana Brunetto1

Grazielle Tagliamento2

O atual governo federal tem buscado uma maior institucionalização do backlash frente ao gênero e ao feminismo. Essa investida de poder das forças conservadoras sobre a educação, por meio de estratégias que compõem uma cruzada antigênero, tem o objetivo de tomar o espaço educativo formal. 

Um dos indicativos dessa investida de poder consiste na interdição dos discursos de gênero na escola. No entanto, não a qualquer discurso de gênero, mas sim um específico – o discurso feminista. Esses ataques a feministas e aos estudos de gênero não são exatamente novos, nem uma especificidade brasileira. A ofensiva antigênero e antifeminista vem se produzindo desde a década de 1980 em vários países, faz parte de um projeto político e social mais amplo, e é muito bem financiada também. 

Uma dessas estratégias foi a invenção de um factoide denominado de “ideologia de gênero”, que se propõe, entre outras coisas, a denunciar feministas, em especial professoras/es feministas, e os movimentos de LGBTIs como inimigos a serem combatidos por estarem pervertendo as infâncias, atentando contra a natureza e destruindo a família e a sociedade.

Nas últimas décadas, o que se demonstrou é uma intensificação desses ataques, que articulou uma bancada cristã e neoliberal e neoliberais, como, por exemplo, o grupo de defensores do Escola Sem Partido. A partir de uma estratégia discursiva sedutora, que tomou telões de igrejas neopentecostais, grupos de famílias e redes sociais, em especial os de WhatsApp, e foi replicada a exaustão no período pré-eleitoral de 2018, por exemplo, foram produzidas diversas investidas, em nome de deus, da família e da proteção das crianças, contra professoras/es feministas, o movimento social e os sujeitos LGBTIs. 

O conjunto de estratégias utilizadas se reformula ao longo da história. Além de representar uma desonestidade intelectual, é mentiroso, violento e criminoso. Na contemporaneidade, esse conjunto de estratégias representa uma desonestidade intelectual porque a ideologia de gênero é um factoide produzido para frear as conquistas feministas e dos movimentos LGBTIs no campo das políticas públicas, entre as quais as da educação. Por ser um factoide, não tem compromisso nenhum com estudos acadêmicos sérios ou com conhecimento científico. 

Esses discursos neoconservadores também são mentirosos e criminosos. Mentirosos porque distorcem as produções teóricas e conceituais utilizando-as para sugerir à sociedade que estas estão atuando para perverter as crianças e, por isso, devem ser eliminadas. Criminosos porque, em vez de proteger as crianças, fortalecendo as iniciativas de educação em sexualidade nas escolas que poderiam desnaturalizar os toques, discutir e caracterizar os abusos e realizar ações de prevenção, bem como acolher possíveis vítimas, os discursos neoconservadores assumem uma postura de ataque e defendem a retirada desses debates das escolas. 

Diante disso, o que se coloca em jogo é questionar a quem interessa retirar as discussões sobre as relações de gênero, numa perspectiva feminista, das escolas? Suspeitamos que a produção dos discursos feministas como alvo dessa interdição nas escolas esteja relacionada com o perigo que a difusão desse discurso representa para a sociedade machista, sexista, LGBTIfóbica, racista e capacitista. O diálogo e a produção de posicionamentos políticos feministas nos corpos, práticas e experiências das comunidades escolares representam um perigo, na concepção do campo que viemos pensando como neoconservadorismo, pois abriria espaço para inúmeras possibilidades de enfrentamento das violências de gênero.   

Discutir gênero e sexualidade é, portanto, desnaturalizar as desigualdades de gênero e de sexualidade; é denunciar possíveis abusadores; é tornar a educação inclusiva e a sociedade mais justa, um lugar onde todas as pessoas possam conviver com respeito e solidariedade. É garantir que todas as pessoas tenham “direito a ter direitos” em nosso país. 

 

1Professora doutora do Setor de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR. Pesquisadora do LABIN/UFPR e do NEG/UFPR. Ativista da LBL e da Rede LésBi Brasil.

2Professora doutora do curso de psicologia da Universidade Positivo. Pesquisadora do NEPAIDS/USP. Ativista da LBL e da Rede LésBi Brasil.

 

Nota:
Backlash:  Refere-se a um contra-ataque à garantia de direitos.

Para saber mais:
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Rev. psicol. polít., v. 18, n. 43, p. 449-502, 2018.


Imagem de destaque: Pixabay

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