A Proclamação da República e a pandemia da Covid-19: o povo assistiu bestializado

Raquel Melilo 

Renata Fernandes

Comemoramos em 2021, 132 anos da Proclamação da República no Brasil. Ajustando essa frase conceitualmente: em 15 de novembro de 1889 aconteceu um golpe político-militar em nosso país. Deodoro da Fonseca foi retirado de casa, ainda de madrugada, indo até a Praça da Aclamação, subiu em um cavalo e bradou: “Viva a República”. Aristides Lobo, um republicano, disse à época: “o povo assistia bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”. Ao nos voltarmos para o número de mais de 600 mil mortos na pandemia no Brasil, a frase de Aristides logo vem à cabeça, uma vez que parece que estamos bestializados diante de tamanhas atrocidades ocorridas nos últimos dois anos e nos perguntamos: o que comemorar em 15 de novembro? 

A pandemia explicitou uma postura política praticada há séculos no Brasil: a necropolítica. No Estado português na colônia, bem como o Estado brasileiro desde sua formação em 1822, vigorara uma política de morte, em especial contra indígenas e negros. No entanto, a história oficial do nosso país, quando contada, faz questão de esquecer esse passado de extermínio. Mas a pandemia a trouxe de volta e, de forma escancarada, inclusive em falas do executivo federal, quando dizia que não era coveiro ou que todos um dia irão morrer. Achille Mbembe, baseado em Foucault cunhou o termo necropolítica que significa a construção de políticas de morte para o controle da população.

Diante dos nossos olhos, em 1889, mudaram a estrutura política sem alterar as estruturas sociais e raciais do país. Novamente, em 2021, vemos o povo brasileiro assistindo bestializado a uma política de extermínio – que mais uma vez afeta fortemente indígenas e negros – criando, inclusive novas tecnologias de morte, como por exemplo nos expondo ao vírus da Covid-19, por meio de um kit de remédios milagrosos e comprovadamente ineficazes, transformando o país numa loteria para viver ou morrer. A biopolítica, termo criado por Foucault, nos diz que existem membros do Estado capazes de determinar quem vive e quem morre, isto é, posturas estatais que definem quem pode fazer viver e o que pode deixar morrer. Faltaram respiradores, medicamentos, leitos e vacinas. Escolheu-se em nosso país quais corpos são dignos de luto e quais vidas não são vivíveis, como nos afirma Judith Butler. Alguns corpos no Brasil simplesmente não importam.

Em 1889 Raul Pompéia, afirmou: “Quem observa o Brasil diria que ele está morto”. Tal declaração é marcada por imenso preconceito, pois o Brasil é um país marcado por movimentos populares e sociais de resistência. O problema em nosso país não é a ausência de um povo. Pelo contrário: no Brasil há povos diversos que foram afetados de formas diferentes pela Proclamação da República e pela pandemia de Covid-19. Viver no Brasil republicano sempre foi um ato político de resistência. 


Imagem de destaque: Dornike

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