A importância das eleições para diretores nas escolas – Parte II

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Dito isso, é relevante descrever e analisar o que vem acontecendo no município de Poços de Caldas-MG, onde resido e trabalho como professor nas redes estadual e municipal. De acordo com o estatuto do magistério municipal, Lei Complementar 026/2002, devem acontecer consultas públicas para diretores escolares, sendo permitida uma recondução, de acordo com os requisitos estabelecidos. Entretanto, sempre que estamos às vésperas de processos para escolha de diretores, que depois têm seus nomes indicados para a nomeação a ser realizada pelo prefeito, surgem proposições de alteração nas regras, para que o processo seja adiado ou cancelado, mesmo que as variadas justificativas sejam difíceis de sustentar. Contudo, neste ano de 2022, aproveitando-se dos efeitos causados pela pandemia e pelo deficitário ensino remoto emergencial, 45, dos 48 diretores de escolas do município, apoiados por 12, dos 15 vereadores, apresentaram uma requisição ao prefeito municipal solicitando que o processo eleitoral fosse retardado em dois anos, afinal, segundo eles, não foi possível o cumprimento integral dos planos de gestão. A reação foi negativa, especialmente por parte dos profissionais em educação compromissados com a valorização da democracia e respeito às regras em vigor. Imaginem se os políticos brasileiros, especialmente do atual executivo federal, adotassem a mesma postura? Os efeitos poderiam ser ainda mais catastróficos! Assim, após as críticas, foi realizada uma manobra pela administração municipal por meio do decreto nº 14.030, permitido pela Lei Complementar nº 158/2014, que especifica o processo de eleição para diretores, alterando a quantidade de reconduções aos cargos de diretores,  desde que sejam realizadas as consultas públicas à comunidade. De tal forma que o limite de uma gestão de quatro anos, que poderia se ampliar para mais quatro, via reeleição, caiu por terra. Agora os diretores podem, sem limites, se candidatar sucessivas vezes, podendo permanecer por décadas nos cargos.

Embora até aqui as alterações estejam correndo no limite do que a legislação permite, a decisão traz problemas que podem impactar a qualidade e a valorização das práticas democráticas. Um dos problemas centrais é a imbricação entre os compromissos públicos das escolas e os interesses privados dos diretores. A continuidade dos gestores nas escolas por muitos anos consecutivos permite o aprofundamento das complicações já existentes, ocasionados pelos favorecimentos de alguns funcionários em detrimento de outros, passando pelas trocas de favores, a ausência de assertividade para o cumprimento dos planos de gestão e a deterioração do fazer pedagogia em nome de atitudes assistencialistas e convenientes para a manutenção da posição. A escola pública, em favor da comunidade, vai virando a escola do fulano ou do sicrano. E quem trabalha nas escolas sabe muito bem que para o desenvolvimento de uma educação de qualidade é preciso diálogo sim, mas também é necessário ter posturas firmes e justas visando à efetiva educação, para além dos privilégios individuais, dos personalismos e do corporativismo. Além disso, o gesto da administração municipal e dos diretores que não se posicionaram contra o decreto, é péssimo, porque o enraizamento da vida democrática implica em práticas e símbolos. Com essa atitude, mesmo que sob mil pretextos, interessa-lhes a continuidade e sinalizam não levar a sério a democracia nas escolas e na sociedade em geral. Os gestores, nesse sentido, estão dando um péssimo exemplo e merecem reprovação!

Vale a pena lembrar o que escreveu o professor Vitor Paro ao refletir sobre gestão democrática na escola pública: “a primeira questão a ser enfrentada no exame da situação de calamidade em que se encontra a escola pública fundamental parece referir-se precisamente a sua própria função social, ou melhor, a uma função social que se lhe possa atribuir para cumprir adequadamente um papel consistente de socialização da cultura e ao mesmo tempo de contribuição (por modesta que seja) para a democratização da sociedade.” (PARO, 2016, p. 102). Será que nossos gestores estão se esquecendo dos fundamentos da educação e da função social da escola? Os processos de escolha de diretores, por si, não resolvem os desacertos, nem garantem escolas democráticas, mas é um elemento importante. Será que professores, comunidades e políticos não estão percebendo, mesmo diante de tudo que vem acontecendo no Brasil, que não se pode ter uma sociedade justa, com garantia de direitos, sem uma sociedade democrática, e que dificilmente vamos construir uma sociedade democrática sem escolas radicalmente democráticas?

Poderíamos investir nosso tempo, nossa energia, em proposições que melhorassem as unidades escolares, que passam pela devida valorização dos diretores em termos de autonomia, condições de trabalho e remuneração; mas, ao invés disso, precisamos questionar os retrocessos, como esse, de possibilidade de sucessivas reeleições que dificultam a salutar possibilidade de debates e alternância, podendo trazer mais entraves aos diretores, diante da perda de legitimidade junto às equipes e frente à sociedade. Por fim, por mais que já tenha sido dito, é preciso frisar que a democracia é mais que uma forma de governo, a democracia é uma forma de vida, e seu enraizamento e incorporação se dão dia após dia, em um processo paulatino, nos mais diversos setores da tessitura social. Sem essa compreensão, a democracia brasileira estará constantemente em risco.

Para saber mais
PARO, Vitor. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Cortez, 2016.

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