A formação patriótica do cidadão ucraniano

Antônio Carlos Will Ludwig

Recentemente, com a execrável incursão das tropas russas na Ucrânia, os meios de comunicação tornaram público o ímpeto do povo em defender seu país. Divulgaram que centenas de pessoas de ambos os sexos com idade entre dezoito a sessenta anos se apresentam constantemente como voluntárias às brigadas regionais de defesa, criadas em 2014 no momento em que a Criméia foi anexada pela Rússia, para receberem equipamentos militares e colocarem nos braços uma fita amarela com vistas a serem reconhecidos pela população e pelos seus pares.

Elas sabem que a capacidade militar do país é bastante inferior à da Rússia, precisa ser reforçada com a ajuda dos cidadãos os quais recebem treinamentos rápidos em manuseio e limpeza de armas, sessões de tiro e deslocamento à linha de frente. São movidos pelo sentimento patriótico que se encontra bem internalizado no subjetivismo de todos.

As primeiras medidas destinadas à disseminação do patriotismo na Ucrânia aconteceram na década de noventa do século passado com o estabelecimento de medidas destinadas ao desenvolvimento da espiritualidade, proteção da moral, formação de um modo de vida saudável para os cidadãos e preparação dos jovens para o serviço militar. Nos primórdios do atual século ganhou destaque um programa exaltador da figura do cossaco ucraniano como soldado libertador.

Mais à frente foi criado um grupo de trabalho no âmbito do Conselho de Segurança e Defesa para examinar o tema da educação patriótica. Em decorrência ficou estabelecido que além do desenvolvimento espiritual e da formação militar a língua ucraniana deveria ser rigorosamente preservada bem como instaurada a ideia de honrar a memória nacional e fixada a proposta de glorificar os rebeldes ucranianos.

No ano de 2014 com a eclosão do conflito militar no leste do país a educação passou a incutir nos alunos um vigoroso afeto civilista, uma mentalidade militarista, um sentimento revanchista e um desejo de se tornarem futuros soldados prontos para sacrificar suas vidas pela sobrevivência do Estado.

Em 2016  foi acrescentado um discurso crítico aos regimes comunistas e a inclusão no processo educativo de exemplos heroicos relativos aos participantes de campanhas antiterroristas nas regiões de Donetsk e Luhansk, dos componentes das revoltas de aldeias antibolcheviques, dos integrantes que atuaram no exército rebelde, dos insurgentes que emergiram nos campos de concentração stalinistas e da proposta de lutar contra o separatismo.

Os recursos desta orientação incluem a organização de acampamentos e o emprego de jogos esportivos militares. Uma importante colaboração é prestada pelas organizações nacionais patrióticas juvenis tais como o Congresso Nacionalista da Juventude e a Associação da Juventude Ucraniana.  No acampamento organizado pelo regimento de Azov os jovens vestidos com uniforme camuflado aprendem a montar e desmontar uma metralhadora, se familiarizar com tópicos de primeiros socorros, praticar em pistas a superação de obstáculos, vociferar slogans nacionalistas e ouvir atentamente a leitura da oração do nacionalista ucraniano.

Apesar de ser vizinha da Rússia, possuir muitos russos como cidadãos e sofrer várias influências moscovitas, a Ucrânia também tem uma inclinação para o lado da Europa ocidental e dos Estados Unidos. Ela tem favorecido a iniciativa de implantação de uma nova forma de educação cívica substituidora da militarizada por europeus e estadunidenses.

Algumas tentativas já foram concretizadas. Na primeira década deste século a União Europeia em parceria com o Departamento de Estado norte-americano financiou um projeto que gerou um livro didático e um currículo intitulado Somos Cidadãos da Ucrânia. Na segunda década, integrantes de universidades norte-americanas propuseram um programa de educação cívica financiado pela USAID, que contou com a colaboração de diversas ONGs ucranianas e apresentou uma estrutura curricular para os ensinos fundamental, médio e superior.

A partir de 2018 até os dias que correm, a educação ucraniana está sendo norteada por uma lei específica que estabeleceu como finalidade a formação de cidadãos responsáveis, capazes de fazer escolhas públicas conscientes e dirigir suas atividades em benefício de outras pessoas e da sociedade. Esta lei tem por base a Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia Sobre as Competências-Chave Para a Aprendizagem ao Longo da Vida.

Com esta proposta em andamento espera-se que o modelo centrado na militarização e no patriotismo seja abrandado e possivelmente abandonado. O patriotismo tem se mostrado como um afeto extemporâneo e em decadência. É praticamente impossível cultivá-lo no atual ambiente dominado pela globalização provocadora da desestabilização e da fragilização de muitos Estados, e causadora da aproximação e intercâmbio entre países. Por sua vez, o exacerbado individualismo pós-moderno e neoliberal tem levado as pessoas a buscarem a concretização de seus interesses e a se fecharem no âmbito da esfera privada.

A militarização, por sua vez, se encontra perdendo terreno de modo acelerado para a sua contrária, a civilização. Somente países governados pelo autoritarismo são adeptos incondicionais dela, tais como a Rússia e a Coréia do Norte. Assim sendo, o atual programa ucraniano de educação cívica tende a ganhar terreno e se solidificar porquanto a vistosa mobilização popular interna em defesa do país e principalmente o  gigantesco apoio recebido da comunidade internacional deve fazer com que a Ucrânia enfraqueça os traços autocráticos e fortaleça os traços democráticos de seu híbrido regime político.


Imagem de destaque: Galeria de imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *