A família, as redes sociais e a escola 

Carlos André Martins Lopes 

Soa a sirene da escola. Hora de fazer a mudança de professores. O professor de história está prestes a entrar na sala quando percebe o aceno de uma colega. Assustada, a professora mostra uma foto tirada com seu celular. Era uma suástica, desenhada no quadro da sala da qual ela acabara de sair. Do lado do desenho encontrava-se a assinatura do autor.

Sala dos professores. Uma colega diz ter solicitado um trabalho sobre racismo. Comenta que uma das estudantes lhe confessou que teve que fazer a pesquisa em segredo para que o seu pai “não brigasse com ela”; “ele não tolera que se fale desse assunto”.

A demissão de Walter Casagrande dos quadros da rede Globo parece não ter relação com o que foi falado acima. E não tem mesmo. Contudo, uma entrevista, concedida pelo ex-jogador e comentarista após sua demissão, parece revelar pontos de conexão. Nela, o ex-jogador abordava diversos assuntos.

Uma quantidade significativa de internautas acompanhou a entrevista. Alguns comentários demonstravam aprovação ao seu discurso. Muitos, entretanto, manifestaram contrariedade. As interações desses últimos eram marcadas pela agressividade, pelo conteúdo totalmente ofensivo. Eram palavras ou frases que, aparentemente, não tinham relação com a fala que estava sendo emitida no momento da entrevista.

Casagrande falou de si na entrevista também. Expôs seu drama pessoal com a dependência química, revelando, inclusive, que esteve próximo da morte por várias vezes. O comentarista expressou, a respeito do tema, uma visão sensível ao drama dos usuários, demonstrando, desta forma, possuir pronunciada consciência social e empatia. Mas foi essa empatia que ele não despertou nos usuários das redes, pois os ataques a ele lançados se concentraram no Casagrande “dependente químico”.

Uma pesquisa no perfil desses internautas revelou suas referências político/ideológicas. São perfis que demonstram a adesão com fervor, a bem dizer, religioso, a algumas figuras políticas, assim como aos seus ideais, e que replicam falas que expressam não só a posição ideológica desses personagens, objeto de sua admiração, mas que também comandam suas práticas e ações.

Na verdade, o que esses perfis indicam é que seus administradores tratam a política como assunto exclusivo do campo da moral, da religião, dos costumes, bem como de uma visão particular do que eles entendem sobre nacionalismo. Expõem uma visão dual, maniqueísta, da sociedade. Para eles, existem apenas o bem, o mal, o moral e o imoral, Deus e o diabo e, desta forma, não é permissível a existência de debates, mas, tão somente, a adesão a uma ou a outra dessas duas referidas entidades. Ou se está do lado do bem, com Deus, ou se está do lado do mal, contra a religião e tudo o que ela representa. O oponente, nesse enredo, vira um inimigo monstruoso a ser eliminado em nome de tudo o que representa o bem.

Os termos agressivos usados contra Casagrande são, na verdade, as armas de combate desses personagens, que acreditam lutar renhidamente contra o “mal”. Casagrande condenou a homofobia, o sexismo e o machismo na citada entrevista. Também repudiou a destruição da Amazônia, bem como os crimes cruéis praticados contra as populações indígenas, crimes que estão associados ao projeto de devastação da floresta.

O que o comportamento desses internautas revelou foi que o alvo era mesmo as ideias que o comentarista defendia. Não ser homofóbico é ser favorável às pautas da população LGBTQIA+ e, ao mesmo tempo, reconhecer a legitimidade das suas reivindicações, o que contraria as visões, acerca do assunto, de muitos grupos religiosos. Criticar o machismo e o sexismo significa deslegitimar as desigualdades de gênero – coisa que o conservadorismo brasileiro deseja manter intacto. Posicionar-se contrário à destruição da Amazônia é opor-se às crenças daqueles que  acreditam que a Floresta deve tombar para que se possa produzir na área devastada. Isso é ser “antinacionalista”.

Muitos dos indivíduos que interagiam na citada entrevista pareciam entender que a homofobia, o preconceito religioso, o machismo e o racismo… não podiam ser expressos abertamente, pois sabem que o discurso homofóbico gera práticas de violência que vão desde espancamentos até assassinatos. Entendem que o machismo motiva violências inumeráveis contra a mulher. É possível que, por questões meramente estratégicas, nem todos queiram ser responsabilizados diretamente por espancamentos e/ ou assassinatos. Desta forma, esses sujeitos passam a atacar não as ideias das pessoas, mas tão somente o ser delas. Não era possível atacar a fala de Casagrande que repudiava a homofobia, por isso, desqualificavam a pessoa que estava falando, isto é, o “dependente químico”, “o nóia”, sujeito que, na visão conservadora desses internautas, seria um mau exemplo para a juventude.

Xingar, expor aspectos da vida pessoal dos sujeitos. Ridicularizar, humilhar. Maximizar aspectos irrelevantes da vida de uma pessoa e minimizar o que ela tem de nobre, elevado e humano são práticas comuns no comportamento desses sujeitos nas redes, portanto. Esconder ideias no interior de enunciados que, lidos superficialmente não apresentam qualquer problema, também. A mentalidade homofóbica, machista e anti-ambientalista, bem como o preconceito religioso precisam ser embutidos. Tais ideais são – não em sua totalidade – (mal)camuflados em frases como “Deus, pátria e família”. O “Deus” desse enunciado é o cristão – todos os outros devem ser taxados como falsos, diabólicos. Alimenta-se com isso o preconceito religioso. Por família entende-se o modelo heteronormativo, com uma rígida hierarquia do homem sobre a mulher e com o reforço do papel do feminino no interior do lar. Procura-se, com esse discurso, deslegitimar as reivindicações dos grupos LGBTQIA+ e frustrar a luta feminina pela conquista da equidade. Patriótico é o cidadão que adere integralmente ao citado projeto.

Talvez não seja uma boa ideia buscar ajuda dos pais para tentar interromper a admiração que o filho nutre pelos ideais nazistas.


Imagem de destaque: Galeria de imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *