A exacerbação do autoritarismo

    Antonio Carlos Will Ludwig

Em datas diferentes do ano passado, filhos do presidente da república fizeram afirmações preocupantes. Um deles asseverou que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”. Relembrando o ocorrido no Chile disse que “se eles começarem a radicalizar do lado de lá a gente vai ver a história se repetir”. Sobre a ruptura política, outro filho afiançou que “não é uma opinião de se, mas quando isso vai acontecer”. Assegurou que “quando chegar ao ponto em que o presidente não tiver mais saída, e se for necessária uma medida enérgica, ele será taxado como ditador”.

Tais falas permitem extrair duas inferências. Uma delas é de que o atual chefe da nação pode conduzir o país de maneira democrática desde que, na sua avaliação, haja condições favoráveis. A outra indica que se as condições vigentes, também na sua avaliação, se mostrarem antagônicas, o mesmo pode escolher um procedimento alternativo não democrático. Este condicionamento e esta possibilidade de mudança baseada no julgamento pessoal evidenciam que ele não se mostra pactuado com a democracia. 

Ressalte-se que o desapreço do comandante do país para com a mesma já foi  demonstrado em atos por ele praticados nos últimos dois anos, os quais atestam seu flerte a um projeto autoritário de governo. Alguns meses atrás ele exibiu falas probatórias: “Nós vivemos um momento de 64 a 85 você decida aí o que achou daquele periodo”, “tomar medidas duras”, “estado de sítio, estado de defesa”. Atualmente fez ameaças às eleições vindouras e aprovou  o censurável e extemporâneo manifesto do Ministro da Defesa contra o presidente da comissão parlamentar de inquérito do Senado.   

Este projeto é assentado no princípio que adota e exercita diariamente como gestor público o qual foi exposto pelo ministro da saúde quando disse que “é simples assim: um manda e o outro obedece”. Embora anacronicamente ainda vigore na caserna é sabido que o mesmo não é o único. Mais importantes, efetivos e preferíveis são os comandos baseados na participação dos comandados e na transferência de responsabilidade aos escalões inferiores. 

O capitão presidente tomou várias iniciativas para alcançar o acatamento e tornar a ação administrativa semelhante à rotina de um quartel do leste europeu da época da guerra fria. Transformou a gestão pública numa espécie de bunker repleto de militares. No legislativo conseguiu eleger os presidentes que almejava e aliou-se ao centrão. No judiciário e na polícia colocou funcionários de sua preferência. No Ministério da Economia continua mantendo o dócil Paulo Guedes. No Supremo Tribunal Federal já nomeou um juiz de seu agrado e outro está a caminho. Designou um Ministro da Saúde de blandícia familiar.  Sua meta é estabelecer uma cultura de anuência e de sujeição em diversos setores da sociedade.

Quanto às Forças Armadas, instância condicionante e decisiva, ele procurou atender às reivindicações de seus membros. No entanto, tal atendimento não provocou  abalos no compromisso deles para com a estabilidade democrática, nem a atual troca dos três comandantes. Esta perseverança é fruto de muitas transformações ocorridas nas instituições bélicas a partir da redemocratização do país como o paulatino desvanecimento de grupamentos que vivenciaram o período ditatorial, a emergência de novas gerações oriundas do regime democrático, a assunção do papel estabilizador em nível internacional e as novas tarefas atribuídas aos militares decorrentes das missões externas dentre muitas outras.

Entretanto convém recordar alguns fatos. Os militares são legalistas e disciplinados. As Forças Armadas possuem uma obrigação interna que é a de garantir a lei e a ordem. O comandante supremo delas é o presidente da república. A pandemia segue acirrada e a crise econômica se mostra cada vez mais grave. O primeiro mandatário não é sequaz do diálogo, da moderação e do entendimento, ao contrário, gosta de se exibir como um ferrabrás, prefere o confronto, lhe agrada as manifestações agressivas, bem como costuma tomar decisões impetuosas. A recente liberação de Lula, tende a contribuir para tornar mais conturbada a situação política. O aumento da desordem, da confusão e da discórdia pode servir para justificar atitudes e medidas autoritárias. Vale dizer então que é possível chegar a um nível capaz de abalar seriamente a normalidade democrática.

Assim sendo, tende ser inviável negar que ele seja tentado potencializar o autoritarismo através de vias legais ou extrajurídicas. Em decorrência é admissível supor que  podem emergir sequelas imprevisíveis e indesejáveis. E embora seja bastante certo acreditar que os militares não estão dispostos a se envolver numa aventura, cabe lembrar que a convicção deles não se aproxima da convicção de seus colegas estadunidenses, pois como disse na caserna um oficial norte americano aos seus comandados: “aqui dentro pode não haver democracia, mas se for necessário deveremos dar a nossa vida por ela”. Este preceito se encontra devidamente internalizado na subjetividade deles, mas no psiquismo dos nossos militares não é possível fazer uma afirmação contundente.


Imagem de destaque: Fotos Públicas / Isac Nóbrega

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