A Escola e a formação para a ética na política: um caso da sala de aula

Luiz Carlos Castello Branco Rena

Artigo XXI 

Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. (Artigo ….. da DUDH, 1948) 

Entre os anos de 1996 e 2001, atuei na Educação Básica em uma grande escola privada de Belo Horizonte que ainda hoje atende as famílias de classe média-alta. Era da minha responsabilidade o desenvolvimento do Projeto Casulo como educação afetivo-sexual entre o 4º e 6º ano do Ensino Fundamental. Além do Projeto Casulo, me coube fazer o acompanhamento das turmas de 5ª ano com atividades de “Acompanhamento Paralelo” – AP. Esse trabalho que ocupava uma hora-aula por semana na grade se constituía como espaço de discussão das dificuldades pedagógicas e sobretudo das relações interpessoais na turma. Foi uma das boas experiências que coloquei na minha bagagem de professor-educador ao longo dessa trajetória que já dura quarenta e dois anos.

Entre muitas das ações didáticas que desenvolvi nas turmas de 5º ano dentro da disciplina AP, foi o Projeto Eleições de Representantes de Turma. O projeto implicava um processo de discussão nas turmas sobre o perfil dos candidatos, critérios de escolha do(a) representante, funções do(a) representante e as habilidades necessárias para assumir esse serviço.  O processo se encerrava com a identificação dos candidatos(as), a votação, apuração dos votos e posse do(a) eleito(a). Nesta oportunidade, em parceria com os colegas do ensino da história, resgatava-se a importância histórica do voto como um dos fundamentos da sociedade democrática e como direito humano reconhecido na DUDH.

Certa vez, numa das turmas após a abertura da urna e contagem dos votos, constatou-se que havia dois ou três votos a mais para o candidato vencedor. O fato colocava docentes e estudantes diante de um caso concreto de fraude no processo eleitoral. Neste momento eram votos em papel e perfeitamente auditáveis.

Diante da situação, o docente teria duas opções: a do avestruz que enterra a cabeça na areia e não enxerga o que acontece à sua volta ou denunciar a fraude e abrir uma investigação para identificar o(a) autor(a) da fraude. Numa opção pela ética na política, escolhi denunciar o fato à turma e decidindo com eles e elas o encaminhamento necessário. A notícia produziu um alvoroço na turma e custei a retomar as condições para um diálogo reflexivo e crítico que produzisse se possível uma decisão de consenso. Uma parte da turma não quis se posicionar. Outra propunha anular o pleito e fazer um segundo turno de votação. E, um terceiro grupo defendia a apuração e a identificação de quem fraudou a eleição. Ninguém falou em punição para o delito. Na impossibilidade do consenso a decisão foi construída pelo voto e a maioria decidiu pela apuração da fraude.

Estávamos no último horário do turno da manhã. Mesmo assim decidimos permanecer na sala de aula até que o estudante que fraudou a eleição fosse até a mesa e recolhesse os votos a mais que tinha depositado na urna. Depois de longos minutos e já tendo expirado o horário da aula, um dos meninos se levantou, foi até a mesa, se desculpou e retirou os votos que havia acrescentado. Mesmo assim, o candidato eleito foi confirmado como representante da turma. A turma foi liberada uns quinze minutos após o encerramento das aulas para o desespero dos motoristas de transporte escolar e a aflição dos Pais que sempre estavam com horário pressionado pelos compromissos de trabalho. Nos dias seguintes a escola recebeu muitas mensagens de protesto pelo atraso na liberação da turma. Mas a reclamação que teve desdobramentos mais sérios foi da família do estudante que fraudou o processo eleitoral. A família afirmava que eu havia extrapolado da minha função e havia submetido o menino a um constrangimento desnecessário. Com o importante e necessário apoio da Escola, refleti junto com os Pais que é função da Escola e do educador(a) preparar para a vida em sociedade e para o respeito às regras da convivência democrática. Demonstrei com meus argumentos que se abria para mim e para a turma uma rara janela de oportunidade pedagógica para formação para a cidadania, exercitando a consciência crítica e reforçando a cultura da transparência sem pactuar com a impunidade. Reconheci que a experiência foi muito forte para o estudante e sua turma. Mas, acreditava que essa lição seria levada na memória de cada um(a) para o resto da vida.

Este ano, estamos vivendo uma das eleições mais tensas e polarizadas da história de nossa jovem e imatura democracia. A comunidade escolar não tem o direito de atuar nessa encruzilhada da nossa história como avestruz. Cumprir sua missão de educar para a cidadania ativa e responsável através do voto consciente e autônomo, como oportunidade de expressão do país que queremos, é a única escolha coerente e digna neste momento.

O que você está planejando fazer para contribuir no processo eleitoral?

Como sua Escola poderia contribuir para qualificar o voto para além de sediar uma seção eleitoral em 2022?

Sobre o autor
Pedagogo, Mestre em Psicologia Social/UFMG, Professor voluntário na Rede Educafro Minas, membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim.


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