A CRÔNICA, um texto para adquirir o hábito da leitura 

Alexandre Azevedo

Costumo dizer aos meus alunos e leitores que a crônica é um texto fundamental para quem deseja criar o hábito da leitura. Comparo-a sempre com o exercício físico, com o hábito de correr ou caminhar. No primeiro dia, uma caminhada de vinte minutos; no segundo, trinta; já no terceiro quarenta minutos… assim até atingir o seu objetivo. Com a leitura não é muito diferente, primeiro um texto curto (e divertido), que é a crônica, depois o conto, um texto um pouco mais longo, em seguida a novela, um pouco mais comprido que o conto… e assim até chegar ao romance que é, em prosa, o texto de maior fôlego da literatura! Desse modo nunca mais vai se sentir cansado, com sono ou desanimado diante de um livro.

Mas o que vem a ser uma crônica? Crônica é um texto narrativo sobre os flagrantes do cotidiano transformados em ficção, isto é, histórias curtas que aconteceram ou que poderiam ter acontecido que o cronista, com o seu olhar clínico e perspicaz, transforma em uma ficção.  Por muito tempo fizeram confusão entre a crônica e o conto. Entretanto, essa confusão foi desfeita quando perguntaram ao mestre Mário de Andrade a diferença entre os dois tipos de textos. Sabiamente, respondeu o autor de Macunaíma: “em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”. Até mesmo Rubem Braga, que sempre escreveu crônicas, certa vez teve uma antologia publicada com o título de Os melhores contos de Rubem Braga.   Porém, a crônica surgiu como texto historiográfico. Na Idade Média, reis, rainhas, príncipes contratavam cronistas para registrarem os acontecimentos relevantes de determinada época para que as gerações futuras pudessem ter informações sobre aquele período. Contudo, nem tudo o que escreviam era verdadeiro. Por isso, muitos cronistas escreviam contando uma pseudo-história, mentindo, omitindo, tudo para não manchar o reinado daquele que o contratou. Essas crônicas eram, na verdade, chamadas de cronicões. Em 1434, o historiador Fernão Lopes foi nomeado pelo então rei de Portugal Dom Duarte para cronista-mor da Torre do Tombo (o arquivo histórico de Portugal, localizado em Lisboa). Ele passou a ser o responsável em reescrever a história portuguesa. Com carta branca do rei, Fernão Lopes procurou ser o mais impessoal possível, preocupando tão somente com a verdade histórica, além de colocar o povo como o agente transformador da história. Por essa atitude, tornou-se o “pai da história de Portugal”. Várias de suas crônicas se perderam, contudo, três foram resgatadas, comprovando a imparcialidade impessoalidade do seu autor: Crônica del-rei dom Fernando; Crônica del-rei Dom João; Crônica del-rei Dom Pedro I, esta última contendo a trágica história de amor entre dom Pedro e Inês de Castro, aquela coroada rainha depois de morta, tema de várias obras futuras, dentre elas Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.

É interessante ressaltarmos também que o primeiro texto escrito no Brasil, a Carta, em que Pero Vaz de Caminha relata ao rei dom Manuel o descobrimento do Brasil, é uma crônica, isto é, um pedacinho da história do Brasil.

No século XIX, aqui no Brasil, a crônica ganhou uma nova roupagem: ela não era mais voltada para os fatos históricos, mas sim para os fatos corriqueiros, muitos deles quase despercebidos, que tiveram relevância nas colunas jornalísticas, principalmente na Ao correr da pena, coluna de José de Alencar; e A semana, de Machado de Assis. Com toques de humor e ironia, os dois criavam histórias curtas, próprias para o jornal (daí o berço da crônica ser o jornal), divertindo o público leitor da época. Mas foi no século XX que a crônica teve a sua popularidade. Cronistas como Stanislaw Ponte Preta e Leon Eliachar fizeram da crônica um texto próximo da anedota (e por esse motivo, ela foi por muito tempo vista como uma subliteratura). Já Rubem Braga tratou de lapidá-la, fazendo com que se tornasse um texto mais rico literariamente, recriando de maneira lírica situações cotidianas. Ele ganhou aliados para essa árdua tarefa de elevar a crônica ao posto de texto literário: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, dentre outros. Também não podemos nos esquecer dos autores atuais, como Lourenço Diaféria, Carlos Eduardo Novaes, João Ubaldo Ribeiro e, principalmente, Luís Fernando Veríssimo, um dos escritores mais importantes da nossa literatura contemporânea.

Elementos essenciais da crônica
A crônica é um texto curto, de preferência com, no máximo, duas páginas. Por ser de leitura rápida (e agradável), o lugar preferido da crônica é o jornal; a linguagem da crônica é a coloquial, já que trata de situações cotidianas; toques de ironia e de humor são indispensáveis, bem como um final surpreendente; os diálogos (marcados por travessões ou aspas) são frequentes, por isso em muitas crônicas o narrador é quase inexistente; o lirismo também é uma característica da crônica, como vimos acima. Assim, não perca mais tempo… e bom exercício!

 

Para saber mais
ANDRADE, M. de. O empalhador de passarinho. São Paulo: Martins; Brasília: INL, 1972


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