Infâncias, Violências e Violações: pautas urgentes e angústias coletivas sobre experiências formativas

Mariana Borchio
Aline R. Gomes
Coletivo Geral Infâncias

O Coletivo Geral Infâncias (@coletivogeralinfancias) surgiu com o objetivo de promover escuta e trocas para pensar as múltiplas infâncias que habitam o espaço urbano e suas fronteiras. De maneira itinerante, tem buscado dar visibilidade à temática da infância por meio do engajamento de adultos que atuam em frentes com, para e sobre a criança no território de Belo Horizonte. 

Nesse sentido, nosso grupo passou a constituir uma rede de integração, suporte e diálogo sobre as crianças, pois vem reunindo profissionais de diversas áreas (Artes, Educação, Direito, Saúde, Arquitetura, Psicologia, etc.) e pessoas que são referências para o público infantil em variados contextos de vida, tais como nas ocupações urbanas, em brinquedotecas, comunidades periféricas (etc). 

Desde a criação do grupo, em 2018, nos preocupamos cotidianamente em dar sentido ao que seria esse Coletivo, significando e ressignificando nossa iniciativa como plural, na luta pela qualificação dos tempos da infância. Nunca fomos pessoas jurídicas, nem uma ONG, nem mesmo um órgão cadastrado, muito menos representantes do poder público. Afinal, o que passamos a ser então? Ser Coletivo não coube, até o momento, em nenhuma destas categorias, de maneira que nosso grupo se organizou de maneira independente.

Valorizando a reflexão-ação sobre a complexidade da infância contemporânea, os participantes do Coletivo passam a perceber que tal tarefa não se faz desconectada das nossas próprias questões, enquanto adultos e adultas, em relação com as crianças. A criança está imersa no mesmo mundo social que habitamos, organizado sob a nossa responsabilidade, geralmente, adultocêntrica. 

Fruto deste processo de reflexão-ação, em 2022, organizamos uma primeira série formativa para nós mesmos, nomeada “Infâncias, Violências e Violações”. O tema nasceu dos atravessamentos dessa temática na prática profissional dos integrantes do Coletivo, que tem o seu dia a dia permeado pela convivência com as crianças. O desejo inicial era “escutar tendo o que dizer”, que, por fim, se transformou, à medida que nos reunimos, em “escutar sem julgamento”.

Ao longo dos três encontros, discutimos fatos e acontecimentos já conhecidos, ansiosos por diretrizes ou encaminhamentos possíveis, diante de situações que não podem ser negligenciadas por nós, adultos, que compõem a rede de apoio e proteção das crianças e dos adolescentes. 

Contudo, assim como existem diversas Infâncias e diversas violências, essas estão ancoradas em grupos sociais diversos e nos quais a intervenção do poder público também sofre variações pois são atravessadas pelas intersecções de raça, gênero, classe social, apesar das diretrizes e legislações historicamente estabelecidas no campo da garantia de direitos.

Por exemplo, uma família de um juiz terá que se haver com os atravessamentos do lugar de privilégio ocupado por esse membro, que muitas vezes acaba não sendo responsabilizado pelas violências que comete. Assim como a família que reside numa ocupação urbana costuma se queixar das intervenções do poder público, que muitas vezes produz mais violências em suas relações com as crianças. 

Nosso grupo saiu angustiado dos encontros na mesma proporção da gravidade das violências, vivenciadas no dia a dia dos participantes e revelados em diversos relatórios públicos sobre a temática. Foi marcante perceber que as violências se iniciam fruto de violações, geralmente no campo das necessidades básicas, tais como a negação dos direitos à vida, à saúde, à moradia, ao lazer, etc. Na sociedade que se diz Moderna, violências se multiplicam, de ordem física, sexual, de gênero, classe sociais e todas as intersecções cada vez mais naturalizadas. 

Nas últimas semanas a pauta da “Violência e Violações” ganhou significativo espaço em nossas vidas, avançando para a coletividade de um contexto social que se encontra vulnerável e fragilizado há muito tempo: a escola. Seja pela brutalidade dos fatos ocorridos, seja pela forma com a qual se divulga tais fatos, passamos a conversar com as crianças, diante desse cenário, sobre paz, respeito, responsabilidades e o papel da escola. De um lado, as “news” com abordagens sensacionalistas, reducionistas e um suposto ineditismo. Por outro, as “fake news”, que avançam em uma velocidade exponencial diante de um sistema educacional brasileiro falido. 

Apesar da angústia coletiva, a primeira série formativa nos mostrou que há caminhos possíveis, e que tais processos iniciam-se pela tomada de posição dos adultos. Ficou nítida  a necessidade de se proliferarem contextos sociais com pessoas mais sensíveis,  dispostas ao debate, com uma postura de escuta sem julgamentos ou soluções pré-estabelecidas. Especialmente, cabe destacar a importância da construção de soluções para os nossos desafios que envolvam a participação infantil. A Prioridade Absoluta adquire ainda mais relevância frente ao cenário instalado de insegurança, mas as vozes e as vezes das crianças devem estar garantidas como sujeitos sociais que presenciam tais cenários.

 

Sobre as autoras
Aline R. Gomes é professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, Doutora em Educação e uma das fundadoras do Coletivo Geral Infâncias. E-mail: alineinfancia@gmail.com

Mariana Dias Duarte Borchio. Mestranda Promestre FaE (em curso) com a pesquisa: Práticas Pedagógicas Decoloniais para enfrentamento do Antropoceno. Especialista em Educação pela PUCRS. Formação em Psicanálise pelo Instituto de Psicanálise e Saúde Mental. Graduada em Psicologia, Artes Plásticas e Pedagogia. Atuou por 9 anos com Psicologia Hospitalar e 9 anos no Ensino Básico. Pesquisa sobre Infâncias, Pensamento Decolonial, Arte, Cultura e Antropoceno. Atua como Psicóloga Clínica e Educadora. Integrante do Coletivo Geral Infâncias, Mães Pró-vacina, Fórum de Educação Infantil de BH e outros coletivos que militam pelos direitos das crianças. E-mail: mariana.borchio@gmail.com


Imagem de destaque: Galeria de Imagens.

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