Morro do Papagaio – memórias em movimento 

Paixão Sessémeandê

Neste nosso novo encontro farei o exercício de resenhar o livro “Morro do Papagaio (Editora Conceito – 2009)” da Coletânea “BH. A Cidade de Cada um – 17” da jornalista Márcia Cruz. O convite de hoje é para um sobrevoo, regado de pausas , reflexões e esperança, onde Márcia nos apresenta o território chamado Favela, a partir do seu olhar, assim como de tantos outros que já viveram e vivem no Morro do Papagaio.

No capítulo “Laço de fita” Márcia relata, o agora, o antes e o depois, marcado pela importância e valorização de mulheres negras e faveladas, por meio das memórias onde observa-se vários ritos de passagem, de construção, desconstrução e reconstrução; no  capítulo “Diante da esfinge”, descreve o território de maneira ímpar, onde a arquitetura toma forma, fazendo o inverso do que está posto pela sociedade, onde a favela torna-se centro, e elucidando as discrepâncias da realidade social, entre o verde mesclado aos tijolos da Favela que pareiam com as grandes mansões; em “Para além do horizonte”, detalha o marco temporal histórico do surgimento do Morro do Papagaio em Belo Horizonte, assim como seus processos de urbanização; que em “Lata d’água na cabeça”, aborda como as relações são construídas em um processo cultural de irmandade e cuidado com o próximo, marcado pela ausência, e chegada do elemento água; que na parte “Energia elétrica e telefonia” estabelece o início de uma nova era, que apesar de morosa, complementa o modo de urbanização e acesso às necessidades básicas da comunidade.

O capítulo “Construção centenária”, fala sobre a Casa Fazendinha, casa construída bem antes da cidade planejada, deixada ao relento pelo poder público, marcada pelas memórias de seu entorno e da família de Dona Izabel, que conforme Márcia, no capítulo “Matriarca do Morro”, Tia Neném faz parte das primeiras famílias instaladas no Morro/Vila Estrela, quando memórias e histórias cruzam-se com o território que vai ao encontro do capítulo “Centro comercial”, onde o comércio local se desenvolveu, assim como seus interlocutores, responsáveis  pelo desenvolvimento econômico, social e cultural, na comunidade.

Em “Minha Veneza”, Márcia traça a semelhança entre a Favela Morro do Papagaio/ Aglomerado Santa Lúcia e a Cidade de Veneza, destacando suas diferenças, marcada pela memória experienciada por ela; “Morro ou Aglomerado?” destaca as subdivisões dentro do território e sua diversidade de possibilidades de nomeação, assim como suas características internas ao olhar de quem vive, e externas aos olhos de quem está de fora.

Conforme Márcia, em “Dia de mudança”, fica o marco, entre partir ou não, pois são as memórias e a evolução do local que destaca tantas lutas e conquistas coletivas, apesar dos desencontros em torno do convívio; “Clima de guerra”, fala sobre questões ligadas ao tráfico de drogas e ao armamento inapropriado da população e seu impacto na vida das juventudes negras, na sua maioria do sexo masculino; já em “De frente pro crime”, a autora traz questões em torno das violências, e o que ela desperta nas pessoas moradoras de Favela ou não;“Chegar de Madrugada” convida o leitor a adentrar na realidade gerada pela insegurança, assim como suas alusões sobre a percepção da mesma e do território.

Em “A antiga Igrejinha” a autora fala sobre o bar do Kaley e a Igrejinha enquanto ponto de encontro, partilhas e comemorações; no “Caminhada pela Paz”, o catolicismo e seus agentes são um dos  responsáveis por ações e mobilizações de mediação de conflitos dentro da comunidade, fundamentais dentro da tentativa de manutenção da paz;  no capítulo “Teatro da Semana Santa”, a autora traz à tona o poder da mobilização das juventudes representadas por meio da religião e do teatro, marco importante para o desenvolvimento da comunidade; já o capítulo “Casamento e Louvores” aborda as igrejas evangélicas enquanto espaço de fé, reflexão e oportunidade, destacando-se a música por meio de louvores e casamentos enquanto ritos de passagem.

De acordo com a autora, no capítulo “Concreto e Feijoada”, a ação está marcada pela união dos moradores, pela melhoria da condição de vida, onde o rito de comer, beber e festejar é extremamente importante; segundo o capítulo “Grito de gol”, o esporte e a construção dos campos de futebol são um marco na vida dos moradores, assim como a mulher ao centro, protagonista no ramo do futebol. Em “Universitário do Morro”, Márcia destaca a importância da Educação para a transformação da comunidade, além de relatar sobre pessoas importantes no processo de abertura de caminho para formação de uma graduação, mestrado e doutorado.

No capítulo “Do Soul ao Funk” , a autora aborda sobre a conexão e interferência da música no modo de vida e de socialização dos moradores; conforme Márcia, no capítulo “Pontos de encontro”, a cena do samba e do Black Soul destaca-se como ponte importante para o lazer de jovens, e promoção de diálogos intergeracionais; já no segundo capítulo, “Tradição Junina”, a autora mostra o poder de uma manifestação cultural desenvolvida para/com/e pelos jovens da comunidade.

O capítulo “Pelas ondas do rádio” traça uma linha histórica sobre a Rádio Popular presente na comunidade e o seu papel social; o capítulo “A grande Gincana” demarca a importância do brincar  e o poder transformador, social e cultural que a mesma desperta na vida dos moradores;  conforme Márcia, no capítulo “Pintor Gentileza”, Pelé  é extremamente importante, pois através da arte e da cultura, ele realiza mediação de conflito, possibilitando a ação de transformação local. Em seu último capítulo,  “A voz feminina do Morro”, Márcia relata, memórias, superações e conquistas, resultado do legado de mulheres importantes, de modo a explicitar o papel delas na construção e manutenção da vida.

Após este voo promovido por Márcia, resumo a importância de processos educativos em torno da memória, como meio de resgate de conhecimento. A fim de elucidar o que digo apresento a vocês a poesia de minha autoria, vencedora do concurso promovido pelo Projeto Quilombo do Papagaio em 2007.

A minha Comunidade como é, como deveria ser

Morro só de pensar no amanhã
Morro só de pensar no que pode acontecer
Morro só de pensar que o verde possa acabar

Morro de tristeza ao ver meus amigos
Morro por tentar ajudar a quem precisa de ajuda
Morro de becos da morte!

Morro do Papagaio
Morro onde só havia verde.
Morro de pensar no antigo morro!

Morro que poderia voltar a ser morro
Morro que poderia ser morro
Morro, mas não no que se refere à favela.

Morro, cadê você?
Morro, só de pensar em te ter, aqui de novo
Morro feliz!!!


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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