Violência Política: direitos humanos ameaçados

Ruan Debian
Douglas Tomácio

Há algum tempo, na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), decidimos elencar enquanto objeto de estudo um grupo do movimento estudantil de extrema-direita, nomeado de Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que atuou tanto em favor quanto para manter o golpe civil-militar de 1964. Com práticas corriqueiras de violação dos direitos humanos em seu tempo de existência no âmago ditatorial, pensávamos, lamentavelmente nos enganamos, que o grupo não mais existisse enquanto força opressora atuante; apesar de encontrarmos raras ações isoladas, como pichações contendo a sigla CCC.

No entanto, no último dia 15 de setembro, uma candidata ao cargo de deputada estadual, Andréia de Jesus, que se alinha ideologicamente à esquerda, recebeu um e-mail que continha como título: “Estamos contando as balas”, e encerrava o texto dizendo que “Marielle te espera”. Ou seja, uma mensagem de ameaça de morte. Mas quem foi esse tal de CCC? Neste texto nos dedicaremos a explicar quem fora o Comando de Caça aos Comunistas e a que fins se voltava/volta enquanto organização extremista.

Fundado em 1963 por alunos da faculdade de Direito da USP e do Mackenzie, o CCC emerge como um grupo extremamente violento. Seus registros na mídia se iniciaram em 1964, quando João Marcos Flaquer (um dos fundadores do CCC) agrediu uma estudante que panfletava para uma chapa de oposição nas eleições do “Centro Acadêmico XI de Agosto”, na USP. Após isso, foram, entre 1964 e 1980, mais 474 reportagens em jornais e 45 em revistas a abordarem as nefastas ações do grupo (LIMA, 2021).

São inúmeros os crimes praticados pelo CCC, mas, reconhecendo os necessários limites deste diálogo, iremos elencar apenas alguns; e o fazemos também como convite a conversas outras. Afinal, a história aponta para a importância de se reconhecer as pinceladas de horror e sangue que, há muito, intentam sobrepor-se à experiência democrática brasileira.

O primeiro crime praticado pelo CCC ocorreu um dia após o golpe civil-militar, no fatídico 01 de abril de 1964, quando a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) amanheceu incendiada por integrantes que compunham o CCC, em parceria com a organização de cunho terrorista conhecida como Movimento Anticomunista (MAC). Outro momento epicamente trágico, talvez seja um dos mais conhecidos, foi o desferido ataque aos atores e atrizes que encenavam a peça Roda Viva, de autoria de Chico Buarque de Holanda (GASPARI, 2022).

As supracitadas ações se dão em um momento da história do grupo em que seus membros são exclusivamente discentes, ou seja, eram jovens estudantes universitários de extrema-direita. A partir de 1968, a sigla CCC passa a ser usada por outros grupos além daqueles que estavam inseridos no movimento estudantil. E, a exemplo de seus precursores, assinalavam a violência e extermínio como práticas de existência e defesa de seus valores.

Assim o foi o hediondo sequestro, seguido de tortura e assassinato, do Padre Henrique Pereira Neto, auxiliar de Dom Helder Câmera – grande nome na defesa dos Direitos Humanos –, que escancarava o fato de o CCC pouco se importar com quem eram as pessoas atacadas; bastava taxá-las de comunistas para se acharem no direito de ceifar vidas inocentes. (SCHWARCZ & STARLING, 2015). Há ainda outro caso que, estando em perspectiva, parece similar ao da deputada que recebeu o e-mail contendo ameaças de morte. Em dezembro de 1978, várias pessoas receberam um cartão de natal que desejava um péssimo final de ano para os remetentes e desejava que o ano seguinte, em 1979, fosse o ano do confronto final contra a “canalhada comunista” (LIMA, 2021).

Tais acontecimentos, sumariamente expostos, dão-nos indicativos dos horrores que compõem nossa história e as lutas nela travadas. Por vezes, diante estamos daquilo que aparenta ser a lata de lixo da história! Entretanto, se em nós causa horror, a algumas pessoas cabe o gozo sádico. Gostam de resgatar dejetos da latrina de um período tão horrendo para nós brasileiros e brasileiras e invocam-no como suposta salvação.

Esperamos que as autoridades competentes tomem providências e que os responsáveis pelo mais recente ataque arquem com suas atitudes no hoje, afinal o que a história nos mostra é que nenhum crime praticado pelo CCC no período ditatorial teve punição. Ficamos ainda na expectativa, embora sob vigilância mais acertada, que tais aparições sejam apenas iniciativas isoladas de pouquíssimas pessoas. Quiçá de apenas uma que leu sobre o grupo e, identificando-se, criou em sua mente uma fantasia que ecoa ardilosamente em mente desavisadas sobre a suposta ameaça comunista. Fica o aviso…

 

Sobre os autores
Ruan é educador popular, graduando em pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), militante do coletivo Juntos e membro do CDDH de Betim.

Douglas é historiador, Pedagogo. Professor do Departamento de Educação e Ciências Humanas da Universidade do Estado de Minas Gerais – DECH/UEMG-Ibirité. Professor do Instituto DH – Pesquisa, Promoção e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania.

Para saber mais
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LIMA, Danielle Barreto. COMANDO DE CAÇA AOS COMUNISTAS (CCC): dos estudantes aos terroristas. Edições 70, 2021.

SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015


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