Empreendedorismo sem luta de classes? O olhar dos Direitos Humanos sobre esse debate

Aline Choucair Vaz
Daniel Ribeiro de Almeida Chacon
Beatriz Barbosa Gomes
Caroline Gomes dos Santos
Lúcia Cristina da Cruz Oliveira

Quais os sentidos da educação para a formação humana das pessoas? É uma pergunta feita e debatida ao longo da História e que, em nosso caso, não é possível desvencilhar das influências que o sistema econômico exerce sobre as escolas e na sociedade de modo geral. Paulo Freire analisa: “É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história.” Nesse sentido é importante destacar que para o pensamento freiriano, a educação é uma forma de se comprometer com os desafios da realidade presente, com a práxis social que visa à transformação social, isto é, à superação da contradição de classes.

No entanto, o sistema educacional brasileiro historicamente não prioriza esse sentido. É perceptível a influência do capitalismo no discurso e nas práticas educacionais, que associa a noção de trabalho e lucro dos(as) donos(as) dos meios de produção como o imperativo educativo. Para as classes trabalhadoras cabe a tarefa de exercer um papel de núcleo do esforço e trabalho para a consolidação do capitalismo; mas, as classes abastadas, estariam na condução deste processo e na garantia de legitimação do status quo. Exemplo disso, na atualidade e com a força das redes sociais, proliferam-se cursos livres para atender apenas às demandas do mercado, desmobilizando a noção de classe social. Desse modo, a educação não é realizada para o sujeito e sim em uma perspectiva de “fazer dinheiro” em atendimento ao sistema econômico vigente, em que as pessoas são apenas “peças do tabuleiro” deste mercado econômico.  A premissa de que todos(as) são livres é, nesse pano de fundo, que o capital é livre e, por conseguinte, também aquele(a) que o possuir. Nesse mister, a educação tem uma tendência desmotivadora e limitante; a mobilidade social é mínima e a perspectiva instrumental do papel educativo se materializa em uma discussão de uma escola tecnicista, sem compromisso em promover a dialogicidade. O cerne sobre “vencer na vida” já está centrado naqueles(as) que têm posição privilegiada de se manter no topo da pirâmide na ótica do capital, diferentemente de uma massa de trabalhadores(as) que continua no subemprego ou em condições precárias, ancorando-se, muitas vezes, no discurso religioso para explicar as diferenças sociais.

O desenvolvimento de projetos políticos educacionais voltados à formação para o empreendedorismo, como uma espécie de solução para parte dos problemas socioeconômicos brasileiros, carrega em si dilemas intransponíveis. Primeiramente, destacamos que a expressão empreendedorismo tornou-se um eufemismo para o trabalho precarizado. Em recente reportagem, o Estadão noticiou que “quase 90% dos empreendedores não têm funcionários e metade ganha só um salário mínimo”. Ademais, o aspecto ainda mais grave diz do deslocamento do problema social para a esfera privada, individual. A superação dos problemas sociais brasileiros passa, necessariamente, pela luta de classes, pelo combate socialmente organizado contra a concentração de renda e a propriedade privada dos meios de produção. A formação educacional voltada para o empreendedorismo é uma artimanha ideológica capitalista para deslocar a atenção dos problemas centrais do país e pulverizar a organização social da população, em um aprofundar das marcas da alienação sobre os(as) oprimidos(as).

Este panorama é aviltante em relação aos Direitos Humanos. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social”. No entanto, esse cenário burguês – meritocrático, presentista e individualista – contraria frontalmente o exposto no referido documento. Esta ótica burguesa propaga dentro da classe trabalhadora, uma contradição de classe, em que o(a) próprio(a) trabalhador(a) por não se ver como sujeito coletivo e histórico, e não saber de seus interesses como tal, acaba por se apegar e a defender interesses de outrem como se esses fossem o estado natural da realidade. Análogo ao posto por Paulo Freire, o objetivo da educação deve ser alcançar uma formação completa em que, os sujeitos não sejam considerados(as), como mero “capital humano”, mas sim como indivíduos plenos e conscientes de sua posição histórica e de sua força de ação, em consonância do que se apregoa os Direitos Humanos.

Sobre os(as) autores(as) 
Aline é professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: alinechoucair@yahoo.com.br. Bolsista PQ/UEMG.

Daniel é professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: prof.danielchacon@gmail.com

Beatriz é graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: beatriz.0293205@discente.uemg.br

Carolina é graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: caroline.1394018@discente.uemg.br

Lúcia é graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: lucia.0294482@discente.uemg.br

Para saber mais
FREIRE, Paulo. Conscientização – teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.


Imagem de destaque: Freepik

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