O desafio da educação diante de instâncias ‘formativas’ não escolarizadas 

Carlos André Martins Lopes 

Há procedimentos padrões na análise do dito “fracasso da educação no Brasil”. Um deles é o de tentar encontrar as causas desse fracasso na escola. O professor, como um dos elementos centrais no processo de ensino-aprendizagem, torna-se alvo predileto dos discursos que atribuem tal insucesso ao universo escolar. Isso é o que sentem os professores nos cursos de Formação Continuada das redes de ensino municipais e estaduais. Perguntas como: O que vocês estão fazendo para melhorar os indicadores de sua escola? Que conteúdos (diferentes) vocês podem levar para sala de aula? Quais os recursos que estão utilizando? Estão fazendo uso das novas tecnologias no processo de ensino?

Essas perguntas parecem dizer que o problema da educação está nos professores. São os conteúdos “desinteressantes” e os métodos ruins de ensino; são os educadores que não sabem ou não querem usar as novas tecnologias, tornando a escola pouco atrativa, criando-se um ambiente impróprio para que exista aprendizado.

Sem negar a importância da reflexão sobre as práticas dos educadores, faz-se necessário interrogar também se de fato a escola está tão alheia assim às boas práticas de ensino. É imprescindível saber, sobretudo, se a escola não está competindo com outras instâncias “educacionais” não formais. Falar sobre isso é evidenciar que a escola ensina sim. Ensina valores, atitudes, formas de ser e de estar no mundo. E ensina os conteúdos recomendados pelas políticas educacionais.

Consideramos que a escola compete com instâncias formativas que estão em vantagem em relação a ela. Por que o estudante vai querer escutar um professor falando por uma hora sobre liberalismo se o blogueiro ‘consegue’ fazer isso em 5 minutos? – e convence sua audiência (numerosa) de que se pode ficar rico num ambiente liberal. Por que procurar entender o conceito de socialismo, tal como formulado pelos seus teóricos, se o blogueiro já “resumiu tudo” em dois ou três minutos? Para que tanta conversa para explanar coisas que podem ser ditas em poucas palavras?

Foi isso que um jovem, que se apresentou como sumidade no assunto “socialismo”, deu a entender quando afirmou em vídeo, publicado em redes sociais, que “O próprio Marx viu que o socialismo não dava certo durante a Primeira Guerra Mundial”, pois ele, o então defunto, Marx, teria ‘visto’ os proletários (soldados) de um país pegar em armas contra proletários de outro país. Com essas palavras a citada sumidade considerou refutados, para todo o sempre, os ideais socialistas. Já outro “jovem pensador do liberalismo” confessou, em canal próprio do YouTube, que não lê, que não gosta de livros.

Os discursos das redes sociais que influenciam o público jovem são sedutores. Prometem muito conhecimento com o mínimo de esforço. Em nada se assemelham ao trabalho árduo da pesquisa, da leitura atenta e da reflexão, práticas estas que devem estar presentes nas salas de aula.

Igual influência exerce o discurso religioso, que tem minado decisivamente o universo escolar. Nesse caso, assuntos que devem ser abordados na escola a partir de perspectivas sociológicas, filosóficas, históricas, acabam sendo tratados nas igrejas a partir de um olhar estritamente religioso e moral. Sendo assim, a abordagem sobre essas temáticas acaba se transformando em julgamento sobre o bem e o mal, o moral e o imoral. Imoral e maligno passa a ser toda a prática educativa que aborde os temas com argumentos científicos.

Outra instância que compete com a instituição escolar é a família. Os pais são (e assim deve ser) as maiores referências morais e éticas dos estudantes. Isso quer dizer que o ambiente doméstico exerce mais influência sobre os jovens e adolescentes do que o ambiente escolar. Faz-se necessário teorizar sobre esse assunto. Talvez assim consideremos que a escola ensina, mas que esse ensino pode ser desfeito tão logo o estudante mergulhe num contexto que contradite os valores e conhecimentos assimilados nas salas de aula. Não é raro a escola desenvolver projetos sobre educação no trânsito, por exemplo, e, na hora em que o pai chega para buscar o filho, parar o automóvel na faixa amarela ou em fila dupla e até tripla, interditando o fluxo de veículos. É corriqueiro presenciar discussões e ameaças entre pais, face ao emaranhado de veículos que se forma na frente de escolas nos horários em que os filhos estão saindo dela. O trabalho pedagógico é desfeito, assim, em poucos minutos, porque os pais fazem, diante dos filhos, tudo aquilo que foi apresentado como errado nas aulas.

Muito se tem falado sobre a “ausência” dos pais na escola. Essa ausência é sempre apontada como um dos fatores que explicam o “baixo rendimento ou o comportamento inadequado” do aluno. Essa visão está equivocada. Não se trata da ausência da família na escola. O que se deve perceber é a ausência da escola na família. Os Projetos Político Pedagógico deveriam incluir ações (culturais) que envolvessem os pais não apenas no debate sobre comportamentos inadequados ou baixo rendimento dos filhos. Nesses projetos, a escola deveria ser tratada como um espaço amplo de formação, espaço de configuração e de reconfiguração de subjetividades, não devendo mirar apenas os estudantes, mas toda a comunidade escolar. A escola deve desenvolver projetos que descrevam ações para que suas bibliotecas, por exemplo, sejam transformadas, efetivamente, em locais abertos à comunidade, em espaços de formação. Projetos de leitura não deveriam ser restritos apenas aos alunos. Ao contrário, eles deveriam envolver, com igual senso de prioridade, os pais. As bibliotecas podem ser transformadas em espaços de leitura e de debates, de troca de experiências. Devem-se também se planejar ações como a prática de exibição de filmes para a comunidade, ações que devem ser sucedidas por trabalhos pedagógicos visando a reconfiguração das visões de mundo de pais e estudantes. Precisam-se criar espaços na escola para apresentações teatrais e musicais que atraiam todos os que tenham interesse na formação dos jovens.


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