Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e as potencialidades de uma educação feminista e antirracista

Franciele Rodrigues
Leiliani Peschiera

Educadas no interior paulista, diversas vezes ouvimos lições sobre casamento e maternidade, mesmo que tenhamos frequentado instituições em cidades diferentes e com quase uma década de distância, entre 2008 e 2017, em Penápolis e Catanduva, respectivamente. Se por um lado, não faltaram aconselhamentos sobre o papel submisso que a mulher deveria performar, por outro, não podemos dizer o mesmo sobre os feminismos. Poucas vezes, ouvimos mulheres e, menos ainda, lemos e discutimos mulheres em sala de aula, principalmente mulheres negras, indígenas, transexuais, lésbicas, imigrantes, entre outras vozes subalternizadas.

Frequentemente espaços de poder – a exemplo das instituições de ensino em seus diferentes níveis – dificultam a disseminação de discursos provenientes de grupos marginalizados. Isto ocorre tanto de modo institucionalizado, ou seja, através da ausência de discussões durante as disciplinas ou em práticas diárias em que a presença de sujeitos dissidentes, tensionam conhecimentos apresentados como universais. No costumeiro falar por eles e não com eles, o sistema de ensino com estética tecnicista aniquila subjetividades, histórias e sonhos de mundos outros. A quem interessa que saibamos menos de nós mesmos?

Esta perspectiva de educação eurocêntrica e falocêntrica, características que sustentam a “colonialidade do poder” nos currículos, transmite um sentido muito diverso de nossas experiências cotidianas, marcadas pelo protagonismo de mulheres quer seja na garantia do alimento, no enfrentamento a violências e tessitura de múltiplas redes de acolhimento. O silenciamento de mulheres não impossibilita que gritos de socorro e potência ecoem em nossas trajetórias cujo encontro acontece através do ingresso no curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 

Fato é que socializadas sob a égide de uma cultura dominante machista, (cis)heteronormativa, e tendo nossos corpos atravessados por tais opressões, a preocupação com os direitos humanos nos aproximou. Na amálgama de vivências, ofertamos o minicurso “Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e a descolonização dos feminismos no Brasil” durante a II Semana de Ingressantes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGSOC) da UEL. E por que nós, mulheres brancas, propomos debates sobre os feminismos negros? Partimos de inspirações como Ângela Davis que estabelece a urgência de sermos antirracistas em uma sociedade estruturada pela desigualdade racial. Por aqui, Djamila Ribeiro adverte que “lugar de fala” não corresponde a emudecer, mas saber que todas e todos estamos localizados socialmente nesta organização racista. Logo, se negros falam na condição de quem sofre o racismo, brancos argumentam a partir do olhar de quem é beneficiado por esta violência.

Deste modo, buscando vestir as palavras de Lélia Gonzalez: “a mulheres exceção, eu chamo de irmãs”, intentamos chamar atenção para a necessidade de falarmos sobre “feminismos subalternos”, ou seja, oriundos do Sul Global, terceiro-mundista, constantemente (re)criados por mulheres das classes trabalhadoras. Estas vertentes problematizam o “feminismo civilizatório” e denunciam estereótipos, autoritarismos, evocados por visões simplificadas e generalistas dos movimentos de mulheres. 

Juntamente com Lélia Gonzalez, experimentamos saberes e metodologias insurgentes. Olhamos criticamente para conceitos como “democracia racial”, “mestiçagem”, “cordialidade”, amplamente propagados pela historiografia e ciências hegemônicas. Conforme destacado pela pensadora, tais categorias operam como mecanismos que tentam forjar uma suposta identidade nacional sustentada por desigualdades raciais. Provocadas pela declaração de que “o lixo vai falar e numa boa”, buscamos apresentar outras chaves de leitura propostas pela intelectual como as reflexões estimuladas a partir das ideias de “pretuguês”, “amefricanidade” e “feminismo-afro-latino-americano”.

Ao lado de Sueli Carneiro, levantamos discussões sobre o enegrecimento dos feminismos, biopoder e epistemicídio. A pensadora saudando todas que vieram antes, caminhou com as pesquisas de Lélia e demonstrou que, no ensino sobre nossa própria história, existem apagamentos e a suavização de violências de gênero fundadoras do que hoje entendemos como e pelo país. Quando o Brasil se autointitula o “país da miscigenação”, estamos falando de turismo sexual, de relações de servidão, estupro, abandono parental, entre outras violações. 

Mignolo (2007) argumenta que através do “pensamento liminar”, ao repensarmos a condição da América Latina de maneira autônoma, nos atentando às “histórias locais”, valorizando cosmologias, modos de vida, resistências, notaremos que identidades plurais não constituem realidades em que cabe a branquitude, dominação masculina heterossexual atuarem para normatizar, pois minorias sociais não expressam problemas que precisam ser resolvidos, ao contrário, representam múltiplas formas de vida existentes, às quais processos formativos reais, pulsantes precisam visibilizar. 

 

Sobre as autoras

Franciele Rodrigues é cientista social, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e graduanda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Integrante dos grupos de pesquisa Entretons: Gênero e Modos de Subjetivação e Decolonialidades na Comunicação (DECO). Contato: franciele.rodrigues@uel.br 

Leiliani Peschiera é graduanda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Integrante dos grupos de pesquisa Entretons: Gênero e Modos de Subjetivação e Decolonialidades na Comunicação (DECO). Contato: peschiera.leiliani@uel.br 


Imagem de destaque: https://imgbox.com/CJoDGjY2

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