Arthur do Val e Racionais MC’S: A educação em debate

Marcos Borges dos Santos Júnior

Os desdobramentos filosóficos sobre as epistemologias negras possibilitam uma reflexão sobre as formas de “ser” negro no Brasil, reverberando categoricamente nos dispositivos da sociedade. Neste contexto, alguns dispositivos educacionais/comunicacionais como a Escola, o Pré-Vestibular ou a Universidade abrem caminho para aplicarem o “saber negro” como pulsões de ensino/aprendizagem, de acordo com as diretrizes regentes na sociedade brasileira. Temos como exemplo a prova: dispondo de um dos princípios a validação do saber “assimilado” pelo intermédio da nota, pode-se alocar o saber negro no campo da legitimidade. Tal exemplo ocorreu na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com a inserção do álbum “Sobrevivendo no inferno” do Racionais MC’s nos vestibulares. Contudo, houveram críticas sobre tal ação.

Na ocasião, o ex-deputado estadual Arthur do Val (também conhecido como “Mamãefalei”) foi entrevistado pelo canal “Mini Podcast” hospedado no Youtube em 9 de setembro de 2021, fazendo o seguinte comentário

[…] eles [?] colocaram no vestibular da UNICAMP como pré-requisito você estudar Racionais, aí é um erro institucional […] agora você não pode para uma Universidade, vai prestar medicina, o cara poder ler […] da cultura clássica do resto do mundo […], você vai colocar [o estudante] para ouvir o álbum dos racionais cara? Assim, desculpa, é muita coisa nobre na nossa humanidade, para você na hora de um vestibular que vai formar profissionais, você dizer que o cara tem que estudar Racionais cara? Assim não dá […].

A princípio, a fala do Arthur do Val está direcionada em três aspectos da forma racismo: o desvencilhamento das produções negras como parte do escopo da “humanidade”; a caracterização do saber negro como não apto a formação “profissional”; a negação de outras formas de “ser” negro que não esteja alinhado as diretrizes que ele legitima. Nesta linha de raciocínio não há abertura para (re)pensar a constituição de “si” ou mesmo a relação de possibilidade para o “outro” (SANTOS JUNIOR, 2021). Também não há qualquer recurso para difamar a educação no que tange a representação epistemológica (mas também ontológica) da população negra (NOGUERA, 2012) nos dispositivos. Compreendo que neste contexto abre grande margem para tratamentos (sendo propagado a séculos) do saber “negro” como “não humano” (no amago, uma “coisa”) o que possibilita legitimar a exclusão de uma população.

Como cientista em formação contínua, um questionamento é elaborado: “O que leva o racismo de Arthur do Val se chocar com a construção epistêmica do Racionais MC’s? Seria meramente os desdobramentos do racismo?” De modo sucinto afirmo que não, pois tal racismo afeta diretamente as disputas dos controles dos dispositivos. Seja pela “academia”, que tem como objeto de pesquisa (mas também de validação da “ciência”) a população negra, ou por um debate epistemológico legitimado pelo dispositivo educacional/comunicacional, o que está em jogo é a expansão do saber “negro” em determinadas múltiplas camadas da sociedade.

Não me estendendo mais, se esta lógica racista sobre “muita coisa nobre na nossa humanidade” retira dos Racionais MC’s o sentido epistemológico como parte da “humanidade”, penso que logo tal lógica deva ser combatida para não retrocedermos com discursos como “a população negra não produz filosofia”.

 

Para saber mais
SANTOS JUNIOR, Marcos Borges dos.  Algumas considerações sobre uma escola afrocentrada: (re)pensando a noção de identidade. Ensaios Filosóficos, Volume XXIII, julho de 2021. p. 165-185. Acesse aqui.

NOGUERA, Renato. Denegrindo a educação: um ensaio filosófico para uma pedagogia da pluriversalidade. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, Número 18, 2012. p.62-73. Acesse aqui.


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