Escolarização no sistema prisional, pobreza e desigualdade social

Flávia Induzzi Passos

Renata Duarte Simões

O crescimento da população carcerária brasileira evidencia a incontroversa negação de direitos fundamentais à expressiva parcela da população, a ausência de políticas prisionais mais definidas, o baixo investimento nas estruturas penitenciárias, o alto índice de encarcerados sem condenação e as falhas no aprisionamento que priorize os crimes mais graves, buscando penas alternativas para as ocorrências mais leves.

Diante dessa realidade, o Estado não consegue suprir as necessidades básicas dos encarcerados e muito menos de lhes proporcionar as mínimas condições de vida para a manutenção da dignidade humana. A superlotação, a ausência de atendimento básico à saúde e à educação, as precárias condições de higiene, dentre outros problemas identificados, resultam na violação de direitos que, para muitos, já vinham sendo negados ao longo de toda a existência.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021) pontua que o total de pessoas privadas de liberdade no sistema penitenciário brasileiro, no ano de 2020, era de 753.966 presos. Ao analisarmos a realidade social desses sujeitos, os dados mostram que 397.816 ou 66,3% dos presos do país são pretos, 722.353 são homens, 24,6% pertencem à faixa etária de 18 a 24 anos e 24% entre 25 e 29 anos, indicando, assim, que a população carcerária brasileira tem um perfil definido: homens, pretos, jovens e pobres. As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos pretos são as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, o ideal professado de uma democracia racial.

Dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) de 2020 apontam que, em relação ao tempo de condenação, 82.313 encarcerados obtiveram condenação com pena de 4 a 8 anos e 76.367 estão cumprindo pena de 8 a 15 anos, indicando que esses indivíduos passam boa parte da juventude encarcerados e invisíveis ao Estado.

No centro dessas questões está a histórica negação de direitos a sujeitos que vivem em um país que foi e continua sendo excludente, governado por um Estado e por uma legislação que criminalizam os pretos, os periféricos, a pobreza e, sobretudo, as famílias pobres e extremamente pobres. A esses sujeitos excluídos, marginalizados e não escolarizados, inúmeros direitos foram/são negados: o direito a uma vida digna, à alimentação, à moradia, ao trabalho, à segurança, ao lazer, entre outros. 

A falta de oportunidades de forma igualitária e a injusta sociedade de classes, responsável pelos históricos processos de exclusão que atingem os pobres e os extremamente pobres, também impossibilitam o acesso a um processo educacional satisfatório. A educação, antes de tudo, é um direito universal que deve ser assegurado a todas as pessoas, independentemente da condição social, é um direito que potencializa o exercício de outros direitos como o trabalho, a saúde, a segurança e a participação cidadã.

Considerando os sujeitos privados de liberdade, o problema está relacionado à negação do acesso à educação no sistema prisional. A educação auxilia e permite a obtenção dos objetivos centrais de (re)habilitação que incidem em resgate social em uma dimensão de autonomia, sustentabilidade e minimização da discriminação social. A relevância da escolarização prisional como instrumento de conscientização e mudança é notória no sentido de auxiliar os custodiados no processo de reconstrução social. 

Contudo, a escolarização dentro do cárcere não está sendo pensada para desenvolver habilidades para a vida, regulação emocional e profissionalização. Somam-se a essas problemáticas a ausência/distanciamento da família e do Estado, gerando, nesses sujeitos, a sensação de abandono e revolta.

A educação no sistema prisional não pode estar restrita ao processo de remição da pena, tampouco à fuga da ociosidade, mas a escolarização deve interferir de forma positiva na vida dos detentos, criando possibilidades de emancipação. Considerando que esses sujeitos não tiveram acesso à educação formal na idade certa e que foram excluídos em seu desenvolvimento educacional ao longo da vida, o que pode ser comprovado através da baixa escolaridade no perfil dos encarcerados brasileiros, pontuamos a necessidade de um processo de escolarização onde os custodiados reflitam e entendam que há possibilidades de se colocarem no mundo de outro modo, diferente daquele que os fizeram estar na prisão. 

Entendendo que a educação precisa assumir a responsabilidade de libertar o sujeito a partir dos saberes/conhecimentos, enfatizamos a importância da escuta como ferramenta de resgate da cidadania e das identidades roubadas a partir do momento que esses sujeitos se transformam em números ao adentrar o cárcere. Nos momentos de escuta que podem ser proporcionados em sala de aula, os encarcerados deixam de ser anônimos e passam a ser protagonistas das próprias vidas. 

Nesse sentido, a educação tem a possibilidade de colaborar para que os alunos do sistema prisional consigam olhar para si e compreendam a própria condição social como sujeitos de perdas ao longo da existência, e de contribuir na tarefa de pensar em processos educativos que derivam das práticas e das diversas relações sociais construídas ao longo do tempo, possibilitando a ressignificação da vida e a humanização dos encarcerados.


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