Educação, forma e afrocentricidade

Marcos Borges dos Santos Júnior

A população negra perante a contemporaneidade (2022), dentre as múltiplas adversidades que encontram na sociedade brasileira, constantemente necessitam construir instrumentos para sobreviver/ressignificar. Seja através do âmbito jurídico-legislativo – criação de leis como n° 10.639/03, 12.711/12 ou 12.990/14 – ou cultural-educacional – projetos que visam a partir da cultura conceber praticas pedagógicas como a “Pretagogia”, de Sandra Haydée Petit (2015), as possibilidades educacionais no “Hip-hop, educação e poder”, de Ivan dos Santos Messias (2015) ou a análise da “história da educação do negro(a) no Brasil”, do Ivan Costa Lima (2017) – a população negra ousara combater as ideologias racistas que sedimentam a sociedade brasileira, cada um a seu modo.

Ressaltar uma ideologia racista, isto é, evidenciar a estrutura complexa do racismo, significa também apontar uma forma que ela habita. Uma pergunta então surge: “o que é forma?”. A princípio observemos a nossa mão: cada característica dela, seja os dedos, as unhas ou aquelas linhas que atravessam a palma. Esta simples ideia que constitui o que chamamos de mão revela-se uma grande complexidade. Ela perpassa por um traço, por exemplo, com perguntas que definirá a constituição da mão: é ou não é uma mão? Se parece com uma mão? É possível ressignificar o conceito de uma mão? Dentre outros. Indo um pouco além, dependendo do contexto ressignificaremos este traço/mão para atender às nossas demandas/expectativas. Definiremos então a forma como um traço/linha/contorno subjetivo idealizado por nós, sujeitos, porém manifestando com uma unicidade (as múltiplas ideias que convergem em uma ideia em comum) e posta no “mundo vivido” ou espaço/tempo (SODRÉ, 2015).

A forma adentra na ideologia racista como um traço/linha/contorno que tenta definir o que é o racismo e o que ele produz. Sua mutabilidade tem a capacidade de desapropriar, por exemplo, uma ideia racista e vedá-la, tentando se passar como não-racista, mas igualmente provocando os mesmos efeitos na população negra. Um exemplo observável que podemos citar são os baixos índices da população negra nas universidades. Também existem outros mais tênues, como a desqualificação do saber negro, tendo como premissa a marginalização e invalidação no campo institucional. Enfim, esta forma racismo capaz de se modificar, ser engolido e não perder suas raízes diverge diretamente com os preceitos da afrocentricidade, que auxilia em possibilidades de uma educação antirracista.

Afrocentricidade, conceito desenvolvido por Molefi Kete Asante (2009), tem como ideia que os africanos e a afrodiáspora, isto é, a dispersão dos descendentes da população africana pós-escravidão europeia que reflete na população negra brasileira, sejam autossuficientes e agentes de seu próprio “mundo vivido”. “Mundo vivido” se reflete nas suas práticas culturais, relações sociais, produções imagéticas e instituições, o que ecoa em escolas. Escola, na perspectiva afrocêntrica, pode ser interpretada como uma agência, conforme nos é dito “já a agência é a capacidade de dispor dos recursos psicológicos e culturais necessários para o avanço da liberdade humana” (ANSANTE, 2009, p. 94).

Tal conceito sobre afrocentricidade reverbera diretamente com os múltiplos movimentos educacionais produzidos e direcionados pela população negra. Partindo das populações africanas escravizadas que deixaram um legado de luta, vide o quilombo dos palmares, de saberes, de práticas culturais e sociais, e as ressignificações que advinham posteriormente, vide os autores que foram citados no início do texto, desfrutamos de meios para a realização e continuidade de escolas/agências.

Por fim, possibilitar diferentes pensamentos nas questões étnico-raciais, que se encontram abertas a discussão e autocrítica cotidianamente, é essencial na produção dos saberes da população negra, assim caminhando para construção de agências educacionais que visam uma sociedade mais justa.

 

Sobre o autor

Graduando de pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Pesquisador das relações étnico-raciais, docência, cultura e sociedade.

 

Nota

(1) Até 2017, haviam cerca de 38,15% de estudantes negros matriculados. Seja por uma carência de auxilio permanência ou pela pandemia provocada pela COVID-19, isso pode diminuir significativamente a porcentagem de estudantes negros com diploma. Acesso em: 09/01/2022. Disponível aqui

 

Para saber mais

ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 93 – 110.

PETIT, Sandra Haydée. Pretagogia: pertencimento, corpo-dança afroancestral e tradição oral africana na formação de professoras e professores, contribuições do legado africano para a implementação da lei n° 10.639/03. Fortaleza: EdUECE, 2015.

LIMA, Ivan Costa. História da educação do negro(a) no Brasil: pedagogia interétnica de Salvador, uma ação de combate ao racismo. Curitiba: Appris, 2017.

MESSIAS, Ivan dos Santos. Hip-hop, educação e poder: o rap como instrumento de educação. Salvador: EDUFBA, 2015.

SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo, mídia e cotas no Brasil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.


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