Uma escola com presença

Glaucione Caetano¹

Coletivo Geral Infâncias

Segundo o mestre Paulo Freire, “escola é (…) o lugar que se faz amigos. Não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos… Escola é sobretudo, gente. Gente que trabalha, que estuda (…)”. O educador nos faz pensar na escola como um lugar para além do concreto, para a razão de toda a materialidade escolar existir, as pessoas. E meditar em seu poema nos traz uma força e uma afirmação do papel das pessoas que trabalham na escola, que mesmo frente aos desafios de uma pandemia tentaram buscar formas de promover a educação. Os profissionais da educação, as famílias e as crianças, de uma maneira geral e diante de suas habilidades e potencialidades tiveram um papel importantíssimo no trabalho remoto. Mas voltar para a escola física também se apresentou com mais desafios de estudos, planejamento, de observação e sobretudo de escuta às necessidades das crianças. 

Voltar para a escola foi perceber mais uma vez o espaço, ver o muro de tijolinhos, pintado ou grafitado. O portão cheio de avisos, o chão com tinta fresca com quadrados e círculos para marcar e separar. A biblioteca com tanta literatura para oferecer, a cantina esperando as crianças para ter cheiro e gosto. A horta que morreu, o jardim que sobreviveu. Foi encontrar um trabalho enorme pela frente, materiais para separar, caixas para organizar, protocolos para seguir. Cartazes e murais para plastificar, nunca se viu tanto plástico e descartáveis na escola.

Regressar foi rever as pessoas, os amigos antigos, novos e alguns, vítimas da COVID-19, que com saudades estarão presentes somente na nossa memória. Foi perceber as pessoas e refletir: Como estão? São as mesmas depois de mais de um ano sem se verem? E nós professores somos os mesmos? O que a pandemia trouxe de marcas para nossas vidas? São tantas as questões que podem permear as nossas mentes, mas estar na escola é antes de tudo questionar, saber fazer as perguntas certas para tentar encontrar alternativas para fazer o melhor trabalho nesse tempo pandêmico difícil de explicar. E só saberemos encontrar soluções para o nosso fazer pedagógico se soubermos observar e refletir sobre como todas as nuances da pandemia interferem na nossa prática educacional, além de questionar se a nossa prática educacional atende aos novos desafios impostos pela pandemia. Como planejar espaços, atividades e ações que promovessem práticas de aprendizagens que protegessem as crianças do novo coronavírus e ao mesmo tempo fossem acolhedoras e significativas para crianças na educação infantil. Algumas ações compartilhadas a seguir foram realizadas com crianças de 4 e 5 anos em uma escola da Rede Municipal de Belo Horizonte.

Ao dizer para as crianças da volta às aulas começamos a perguntá-las como seria essa volta. Muitas disseram da importância do uso da máscara, da higienização das mãos e foram construídos combinados. Juntas elas criaram ou reproduziram gestos que representassem carinho e afeto e maneiras de cumprimentar umas às outras com segurança e responsabilidade. Jeitos de cumprimentar do mundo, sinais das pessoas com deficiência auditiva da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e também gestos inventados, mas que pudessem expressar gentileza e cortesia. Já que não podíamos nos abraçar, que o toque fosse na alma.

Ao chegar na escola as crianças deveriam permanecer em um espaço denominado “bolha”. Mas nas brincadeiras e com o passar dos dias de adaptação, em que a intimidade entre elas aumentava, mais vontade elas tinham de estourar as “bolhas”. E lá fomos nós brincarmos de bolhas de sabão sem soprá-las, brincar de roda sem dar as mãos, pedir ajuda de ancestrais poéticos para que uma ideia importante e necessária fosse construída da forma mais lúdica possível. As músicas e os poemas foram bastante explorados no trabalho com a oralidade, pois na prática estar com a máscara o tempo inteiro não foi uma adaptação prazerosa. Muitas vezes dificultava a comunicação. Em alguns momentos, foi necessário falar mais de uma vez, pedir que repetissem alguma palavra ou frase para um entendimento mais satisfatório.

Na construção do conhecimento com as crianças e a compreensão de conceitos complexos acerca do coronavírus foi necessário recorrer à natureza e a práticas simples que há anos povoam a Educação Infantil, como plantios de grãos de feijão. E foram muitas as aprendizagens e desafios. A vontade de ter esperança e de plantar o amanhã para além do feijão no algodão, plantar a horta e reaprender a viver numa escola diferente. A necessidade de correr e de pular ao ar livre de quem ficou muito tempo dentro de casa. O desafio de um trabalho híbrido do professor de não querer ou poder deixar os alunos do trabalho remoto, mas que assume a responsabilidade de aulas presenciais que apreendem todo o tempo disponível. A alegria de falar a poesia, de cantar a melodia e esquecer por um momento a fragilidade da bolha. Perceber as peculiaridades de cada criança com o número de crianças reduzido da sala, o silêncio que também traz calma que também favorece a escuta sensível, a atenção. 

A coragem de dialogar com pares de trabalho e dirigentes sobre os protocolos, sobre mudanças necessárias, materiais, tempos, espaços. A coragem de uma menina de quatro anos ao dizer:

– Nossa, professora! Tá difícil respirar com a máscara.

– Não é fácil mesmo.

– E se a gente pudesse ficar só um pouquinho sem a máscara?

– Só um pouquinho? Tem certeza?

– Sim!

– Tá, então vai lá naquele canto, na árvore, longe dos colegas, tira a máscara e respira. Depois você coloca a máscara e volta. Combinado?

– Combinado!

E se pudéssemos combinar com todos que estudam, trabalham e com todos os envolvidos e responsáveis pela educação, de voltarmos para essa escola presencial com mais presença, com mais espaços, com menos pressa, com mais qualidade, com mais natureza, com mais materialidade, possibilidades, com todos os desafios, mas também com todos os aprendizados?

 

1 – Aprendiz de infâncias e professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte. E-mail: glaucione.caetano@edu.phb.gov.br


Imagem de destaque: Glaucione Caetano

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