A Educação Popular no Amazonas: O Movimento de Educação de Base em Tefé

Leni Rodrigues Coelho1

O Giro do Bicentenário pelo estado do Amazonas iniciará com a discussão acerca do Movimento de Educação de Base (MEB), que foi criado com a intenção de alfabetizar adultos que não tiveram a oportunidade de estudar na idade própria por várias razões, sejam elas sociais, econômicas ou políticas. 

O Movimento de Educação de Base foi criado em 1961, pelo Decreto nº 50.370, que resultou de um convênio entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e do governo federal e pretendia dar acesso à população rural a educação, por meio de escolas radiofônicas para estas pudessem perceber e se defender das ideologias difundidas naquele momento. Foi o único que sobreviveu ao golpe de 1964, porém, começou aos poucos a se extinguir, principalmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste do país.

O MEB, em Tefé, foi criado em 1963, articulado por Dom Joaquim de Lange, à época bispo do município. Ao chegar à cidade em 1947, o bispo percebeu a imensa extensão territorial e a realidade de exploração, exclusão, isolamento e pobreza em que se encontravam os ribeirinhos. Após constatar essas condições vivenciadas pela população, que não era assistida pelo poder público e organização civil, sentiu-se mobilizado pela situação de descaso em que se encontravam naquele momento. Dom Joaquim, motivado pela experiência adquirida em sua viagem à Colômbia articulou a implantação da Rádio Educação Rural em Tefé para levar ao ar os programas radiofônicos do MEB e oferecer também aos fiéis uma programação de cunho religioso. A história de Tefé é marcada pela ausência do Estado na promoção de políticas públicas em educação e uma presença marcante da Igreja Católica por meio da evangelização e de projetos ligados à educação, à cultura e à saúde.

Este Movimento, especialmente no período que antecedeu ao regime militar, desenvolveu atividades na perspectiva do pensamento de Paulo Freire. Neste sentido, objetivou levar o ribeirinho a refletir sobre a situação de abandono e de opressão em que vivia, bem como, incentivou-os a buscarem uma mudança de concepção a fim de transformar aquela realidade permeada de desigualdades sociais. Para desenvolver este trabalho, muitos desafios foram encontrados: a falta de profissionais com formação específica; as comunidades mais distantes eram desprovidas de escolas e energia elétrica, neste caso, o monitor lecionava em sua residência que na maioria das vezes era precária; a dificuldade em convencer os monitores a desenvolverem seus trabalhos de forma voluntária; o trabalho árduo dos alunos na agricultura e depois de um dia de trabalho, o cansaço, a fome e a idade avançada acabava dificultando o processo de ensino-aprendizagem. O MEB, trabalhou a prática da leitura e da escrita, utilizando o cotidiano dos alunos para tornar as aulas instrumentos de produção de conhecimento. Foram implantados projetos e metodologias envolvendo clubes, cooperativas, sindicatos e organizações políticas, tendo em vista a formação política das populações ribeirinhas.

A trajetória do MEB em Tefé foi particular, pois conseguiu resistir ao crescente controle do Estado para com as ações dos movimentos sociais. Se num primeiro momento, as ações do MEB se desenvolveram em uma perspectiva crítica e política, baseada nos princípios de Freire, com o intensificar da repressão política, foi necessário rever, em um segundo momento, sua metodologia. Para a manutenção do MEB Tefé foi realizado parcerias com o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), programa criado pelo governo federal, voltado para a educação de adultos, numa perspectiva de alfabetizar para a inserção do sujeito no mercado de trabalho e diminuir os altos índices de analfabetismo no país. Além dessa parceria, o MEB também buscou apoio de instituições como o Banco do Brasil, o Projeto Rondon e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Amazonas para qualificar e estimular os ribeirinhos a buscarem outras perspectivas. 

Um olhar mais aguçado sobre as ações do MEB Tefé revela singularidades importantes para se compreender a sua história. A cidade de Tefé, está localizada no interior do Estado do Amazonas, cenário geográfico marcado por grandes extensões territoriais, entremeados por florestas, rios e lagos, o que dificultava a mobilidade, a interação e o acesso à educação formal dos povos ribeirinhos. A partir desse cenário é que podemos compreender a importância das ações do MEB por meio das aulas radiofônicas. Nesse sentido, o MEB Tefé cumpriu com sua função educacional e social na maior parte do tempo em que atuou no município, contribuindo com a formação social daquela população. Apesar das grandes dificuldades encontradas para desenvolver suas ações, proporcionou uma educação diferenciada a partir da realidade do aluno, na busca de uma sociedade mais justa e mais humana. 

Convidamos o leitor a acompanhar, nas próximas edições, outras publicações sobre os processos histórico-educativos da região, de modo a serem apresentadas diferentes narrativas acerca da história da educação no estado do Amazonas!

1Professora na Escola Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas. Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DINTER UERJ/UEA). Linha de Pesquisa: Instituições, Práticas Educativas e História. E-mail: lcoelho@uea.edu.br


Imagem de destaque: Acervo da Prelazia de Tefé.

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