Rostos de pedra, sulcos da vida!

Valter Machado da Fonseca

Há algum tempo atrás, assisti num noticiário uma matéria que tratava de uma denúncia de maus tratos contra pessoas idosas. A notícia retratava diversos casos de filhos, netos, e diversos parentes que abandonavam pais, avós e demais idosos em asilos, largados à solidão, lançados à própria sorte. Então resolvi traçar um paralelo entre a filosofia eurocêntrica e a filosofia indígena. Assim, presto uma singela homenagem às comunidades indígenas que têm sido covardemente vitimadas pela barbárie dos homens brancos, machistas e que fazem questão de conservar o estereótipo eurocêntrico. 

A notícia me deixou impressionado pela frieza com que as pessoas, em sua maioria, tratam os mais velhos. Aí, lembrei-me de um filme que vi (diversas vezes), uma obra prima, dirigido e estrelado por Kevin Costner, “Dança com lobos”. A magnífica obra cinematográfica (embora hollywoodiana) retrata o episódio real da ocupação do oeste americano pelo homem branco. Em nome de abrir espaços para o tal “progresso” no oeste dos EUA, os ingleses (brancos) vão dizimando todas as grandes nações indígenas, como os Apaches, os Sioux, os Comanches, os Cheyennes, dentre outras. 

Uma das passagens maravilhosas da película de Costner que mais me chamou a atenção foi a relação que os jovens da grande nação Sioux tinham com as pessoas mais velhas da tribo. O filme demonstra, com grande maestria, esta relação de respeito e admiração. Os jovens jamais falavam quando um idoso (ancião) estava se pronunciando. Quando o conselho de guerreiros se reunia, a palavra final era sempre dos mais velhos, a qual era endossada pelo cacique (também um ancião). O filme destaca o valor dado pelos jovens à experiência vivida pelos anciãos. Isto ficava claro na paciência e atenção com que as crianças e jovens Sioux dispensavam aos velhos anciãos, quando estes contavam suas histórias.

Refletindo sobre a notícia da agressão aos idosos veiculada na TV e lembrando-me do filme de Costner, resolvi escrever este breve desabafo. Aí me pergunto: onde estão os valores humanos? Onde estão o respeito, a admiração e a solidariedade dos jovens da sociedade branca e machista dos dias de hoje? Parece que, a cada dia que passa, mais a sociedade regride, se embrutece, se desumaniza, o homem perde, a olhos vistos, sua sensibilidade. Nesta sociedade há uma inversão completa de valores morais (não no sentido hipócrita da palavra) e humanas pelos valores medíocres e bestiais de um mundo desumanizado, no qual as pessoas se transformam em coisas e mercadorias a serviço da ganancia humana.

Aí também me pergunto: estes são os novos tempos? Esta é a sociedade da tecnologia, da comunicação e da informação? Quanto tempo as pessoas dispensam para conversar com os amigos, com os mais velhos? Nem nas horas das refeições (horas sagradas, conforme aprendi com meus saudosos pais) as pessoas se reúnem. Já não possuem tempo para conversar, para dialogar com o outro. O tempo agora é para as relações virtuais na Net. O tempo é para os jogos violentos e virtuais, onde os jovens se divertem observando homens virtuais matando outros homens. E, quanto mais violento melhor, mais as pessoas se divertem! 

Enquanto isso tudo acontece, a mídia ganha fortunas com as notícias de roubo e assassinato. Na esquina o jornaleiro repete: compre o jornal! Hoje deu crime! Até quando esta continuará sendo a lógica da sociedade desenvolvida, da “sociedade do conhecimento”?

Enquanto o homem branco se preocupa em incendiar indígenas e mendigos, em estuprar, em matar e espancar prostitutas e pessoas das comunidades LGBTQIA+, eu continuo pensando na face meiga e suave, porém preocupada do velho cacique Sioux observando o avanço do homem branco devastando os animais e seus irmãos de pele vermelha, em sua marcha para o oeste.

No Brasil não é diferente. Presenciamos o genocídio quase que cotidiano de nossas comunidades de povos originários, em função da proteção ao garimpo, aos madeireiros, aos incendiadores e desmatadores de nossa floresta tropical. Vemos nossos indígenas jogados na indigência das grandes e médias cidades do país. 

Diante de toda esta carnificina, jamais conseguirei esquecer a silhueta daquele velho cacique de rosto de pedra e marcado pela experiência e pelos sulcos da vida! Quem sabe, um dia a sabedoria indígena não seja resgatada pela sociedade branca e machista dos tempos atuais! E neste dia, quem sabe, talvez, o homem volte a ser humano! 

Para terminar destaco um trecho da carta do cacique Seattle enviada ao presidente norte-americano em 1855: “Nós mesmos sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. A cova de seus pais é a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e seus irmãos, o céu como coisas a serem comprados ou roubados”. 


Imagem de destaque: Orion Pictures

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