Pedagogias feministas, populares e antirracistas: (des)construindo processos formativos em uma Universidade Livre

Thayz Athayde1

Diante da impossibilidade de nos reunirmos em uma sala de aula, a internet se tornou a principal ferramenta para o ensino. Muitas pessoas têm defendido o viés democrático dessa possibilidade, ressaltando que podemos ver e ouvir pessoas do mundo inteiro sem precisar sair de casa. Contudo, as tecnologias também são tão desiguais quanto a(s) sociedade(s) em que vivemos; a velocidade, a qualidade da internet e os aparelhos que utilizamos para acessar as aulas não são iguais para todas as pessoas e nem todos os espaços privados são seguros, muito pelo contrário, oferecem ainda mais risco a certas pessoas, como pudemos acompanhar desde os resultados da pesquisa realizada pela Universidade Livre Feminista (ULF)  “Nas rodas e nas redes – Uso da internet por mulheres de movimentos populares”. 

A pesquisa realizada pela ULF apontou importantes elementos dos cotidianos de mulheres de classes populares no uso da internet e das tecnologias de informação e comunicação. Interlocutoras no Amazonas, Pernambuco e Ceará nos permitiram questionar mais uma vez como criar pedagogias feministas que considerem nossas assimetrias e que consigam envolver as mulheres. Quais espaços virtuais podem colaborar para nossos processos formativos e quais nos posicionam em risco? Como articular processos educativos feministas, populares e antirracistas?

Essas são algumas das questões mais importantes para nós da Universidade Livre Feminista (ULF), um projeto criado há 12 anos por organizações de mulheres com o interesse de promover debates, reflexões “troca de ideias, vivências e experiências entre mulheres de diferentes origens, identidades e campos de atuação, articulando sujeitos da luta feminista, antirracista e anticapitalista.” (*)

Uma das apostas da Universidade Livre é na política feminista como ação educativa. Presencialmente ou virtualmente, nos mobilizamos na articulação de práticas libertárias e transformadoras para as mulheres. A ação educativa é pensada como um processo contínuo e uma ato de formação participativa. Questionamo-nos permanentemente sobre o papel da educação no feminismo enquanto movimento social. Para quais mulheres produzimos esse espaço formativo? Com quem queremos conversar, produzir conhecimento? Quais princípios ético-políticos movimentam nosso agir? 

Esse projeto de universidade livre é composto, atualmente, por 20 mulheres feministas. Integram a Rede de Colaboradoras educadoras, artistas, trabalhadoras de ONGs, professoras universitárias, ativistas de movimentos, comunicadoras, entre outras. Na Rede e fortemente em redes participam mulheres do Brasil inteiro. A maior parte das colaboradoras estão/são do Nordeste, descentrando o protagonismo feminista do eixo Sul-Sudeste. A partir das nossas articulações conseguimos realizar atividades, em sua grande maioria, com mulheres negras e/ou indígenas, trabalhadoras e de classes populares, com expressivo recorte geracional entre 40 e 60 anos. 

Dessa experimentação ético-política-epistemológica e estética decorre a crítica de que certas pedagogias no campo dos feminismos liberais e predominantemente branco ampliam formas de controle de corpos, sustentando a lógica neoliberal em que somos posicionadas  como fruto de esforços de empreendimentos, ignorando os marcadores sociais e a manutenção dos privilégios. Os feminismos populares vêm para colocar problemas nessas práticas pedagógicas. Ser colaboradora na Universidade Livre Feminista tem me dado algumas respostas que se transformam em outras inquietações, desafios e continuada reflexividade ético-política. Afirmar uma pedagogia feminista, popular e antirracista, levando em consideração as diferentes realidades das mulheres, evidenciando os efeitos da racionalidade neoliberal, vem se constituindo uma maneira de tensionar as formas de regulação e expropriação das vidas das mulheres  – de todas elas: cis ou trans. 

Durante a pandemia do COVID-19, começamos a pensar sobre o futuro da Universidade Livre Feminista, já que enfrentamos vários questionamentos e dificuldades diante do isolamento social. O avanço e desenvolvimento das tecnologias não podem estar desassociadas das racionalidades político-econômicas. Afinal quem está se beneficiando com tudo isso? Quais instituições têm acessos aos nossos dados? Quem está ou tem o direito de ser protegida/o? 

Não buscamos respostas prontas, mas prontos modos de fazer proliferar a força dos questionamentos: duvidar, reflexionar sobre nossa prática e, sobretudo, nos escutarmos e nos fazermos ouvir. Acreditamos na coletividade e pluralidade das vozes das mulheres para formular elementos para a (des)construção de pedagogias feministas – no encontro na e com a diferença dos/nos modos de agir. A pandemia não apenas expôs ainda mais nossas precariedades, ela nos impôs ainda mais a pesada fatura da razão neoliberal-racista-patriarcal… Mas nós somos (em) redes esperança e mudança.  

 

1 – Thayz Athayde é professora, psicóloga e psicanalista. Doutora em Educação (UERJ). Vice-líder e Pesquisadora do geni – estudos de gênero e sexualidade (ProPEd e PPGPS – UERJ) 

(*) Trecho retirado do site da Universidade Livre Feminista, para saber mais acesse aqui


Imagem de destaque: Universidade Livre Feminista

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *