Guimarães Rosa no Ensino Médio: uma proposta de aproximação

Francisca Patrícia Pompeu Brasil

Manuel Bandeira, em carta dirigida a Guimarães Rosa, fala sobre a dificuldade que teve para fazer a leitura da obra Grande Sertão: veredas: Tinha vezes que pelo contexto eu inteligia: “ciriri dos grilos”, “gugo da juriti” etc. Mas até agora não sei, me ensine, o que é “arga”, “suscenso”, “lugugem” e um desadôro de outras vozes dos gerais.” A complexidade dos textos de Guimarães Rosa é notória, e, muitas vezes, usada como justificativa por professores do Ensino Médio para evitar, ou postergar, um contato inicial dos seus alunos com a obra do escritor. Na realidade, o que se nota é que há ainda um certo preconceito, dentro da comunidade escolar, no que concerne ao trabalho com o novo, com o diferente: deve-se olhar com respeito o antigo e com desconfiança o moderno. Acostumados com a estrutura tradicional das obras estudadas em sala, muitos alunos não estão preparados para refazerem seus esquemas quando estes são desfeitos. Por isso, quando se encontram frente a uma produção mais revolucionária, na qual as inovações formais têm maior visibilidade, acabam ficando perdidos, pois foram orientados a buscar nos textos em prosa o significado das ações. Dessa forma, não sendo capazes de reformular suas expectativas quebradas, acham a leitura complicada e acabam, muitas vezes, desistindo de continuar. 

Quando se fala nas produções rosianas, é necessário também destacar a falta de competência linguística de muitos estudantes para esse tipo de leitura. Tal competência está relacionada ao significado que as palavras assumem dentro de um determinado contexto. É fato que Rosa foi um dos autores que mais ousaram no momento de dar uma nova roupagem à língua. As transformações promovidas por ele foram de tal forma significativas, que há quem considere existir a “língua de Guimarães”, como se este tivesse criado um novo idioma. O leitor que ainda não conhece os recursos utilizados pelo autor não consegue ver sentido em seus enunciados, não percebe quais significados as palavras adquirem no contexto apresentado, e, dessa forma, o texto se torna incompreensível, como se tivesse sido escrito em um idioma desconhecido. 

Durante o processo de aproximação, é importante que o professor esclareça para seus alunos que os escritores buscam, através de suas produções, agir sobre os seus leitores.  E mostre que, com Guimarães Rosa, não foi diferente. Ao transformar palavras e expressões gastas em novas e impressionantes formas de dizer algo, o autor conseguiu recobrar a força que têm as palavras, conseguindo atingir o seu objetivo de despertar no leitor a mesma admiração pela língua e pelo modo de contar que ele mesmo, por diversas vezes, já demonstrara ter. Rosa buscava reforçar a importância de se trabalhar a palavra, já que, sendo ela tão rica em recursos, deveria ser esmerilhada, para se tornar verdadeiramente expressiva. Ficava, assim, a cargo do escritor explorar as diversas possibilidades oferecidas, não permitindo que a língua se “atrofiasse”. Para tanto, seria necessário: “Distendê-la, destorcê-la, obrigá-la a fazer ginástica, desenvolver-lhe músculos.” (ROSA apud PIRES, 1993, p. 76).

Mas, se o leitor não percebe a maneira pela qual o autor busca agir sobre ele, a mensagem acaba não sendo assimilada de maneira adequada. Textos como os de Rosa, que apresentam tantos recursos de expressividade – no que concerne ao ritmo, à sonoridade, às construções sintáticas – passam ao receptor de sua mensagem a impressão de serem obras de difícil compreensão e, consequentemente, desinteressantes. É importante que o professor leve seu aluno a perceber que o conhecimento aprofundado da língua deu ao escritor mineiro condições de trabalhá-la como poucos o fizeram, dedicando-se a ressuscitar palavras mortas, através das mais diversas transformações, e a resgatar a expressividade original delas: “Há meu método que implica uma utilização de cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido original.”  (ROSA apud PIRES, 1993, p.69) Se o estudante lesse os textos rosianos como se lê poesias, com calma e atenção, atentando para a expressividade das palavras, buscando seguir o ritmo e captar a musicalidade das construções, provavelmente conseguiria dar um importante passo para se aproximar da obra e de seu autor.

Como já dissemos, muitos recursos utilizados por Guimarães Rosa têm como objetivo reavivar significados originários, fazendo com que o destinatário da sua mensagem perceba a importância do “modo de dizer”. Sendo assim, é interessante despertar a curiosidade do estudante para as intenções por trás das experimentações formais do autor, pois, sabendo o que este esperava dele, torna-se mais fácil aproximar-se da imagem do enunciatário (leitor ideal) inserida no texto. Há ainda muitos obstáculos que se impõem no momento da leitura dos textos rosianos. Mas é importante que o professor de literatura não desista de tentar promover uma aproximação entre leitores e obras. Para isso acontecer, é necessário que seja feita uma escolha criteriosa dos textos que serão utilizados em sala de aula. Há muitos contos do autor que podem ser usados para realização de atividades leitoras criativas. Aqui fica a sugestão dos contos presentes na obra Primeiras Estórias (1962), os quais pela extensão, linguagem e enredos apresentados podem desenvolver nos alunos do Ensino Médio algumas habilidades necessárias para a apreciação e fruição da linguagem literária. 

Por fim, podemos afirmar que, se bem explorados, os textos rosianos, além de ajudarem a desenvolver habilidades para a leitura das mais diversas produções, podem despertar interesses vários no estudante. Mas, antes, é necessário que o professor reveja seus pré-conceitos e busque trabalhar adequadamente o rico material que tem à disposição.

 

Para saber mais:
BANDEIRA, Manuel. “Grande sertão: veredas”. In: Poesia completa e prosa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Aguilar, 1967. P.590-92. Acesse aqui

PIRES, José Alves. João Guimarães Rosa: uma literatura almada. Lisboa: Edições Brotéria, 1993.


Imagem de destaque: Carlos Lopes

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