Superação

Iriam Starling

Sim, os seres humanos nadam, correm, saltam e também voam. Não, não estou falando dos instrumentos e máquinas inventados pela genialidade humana. Humanos voam sim. Duvidam? Assistam aos jogos olímpicos. Verão as ginastas e os ginastas voando a partir do solo, nas barras, nos saltos com vara, no cavalo… É absolutamente lindo e emocionante.

Um turbilhão de emoções. É o que temos para hoje. O que mais me impressiona é ouvir as histórias de superação dos medalhistas. São todos guerreiros resilientes. Passam por uma sucessão de provações e de dificuldades inimagináveis. São histórias hollywoodianas, dignas de bestsellers. Os perdedores não são menos aguerridos, apenas terminam sua jornada com uma tristeza no peito, se esquecendo de que, se chegaram ali, superaram milhares de outros que tentaram uma vaga nos jogos olímpicos e não conseguiram.

O brasileiro é de fato um lutador incansável. Há um contraste brutal entre nossos parlamentares e nossos atletas, artistas, pesquisadores, trabalhadores, ou melhor, batalhadores. Enquanto aqueles legislam em causa própria, os demais tentam sobreviver da melhor forma possível. São heróis da resistência.

Se os atletas brasileiros trazem medalhas olímpicas para casa, não é graças aos incentivos governamentais aos esportes. Se nossos pesquisadores fazem descobertas brilhantes, é apesar dos cortes financeiros do governo, e usando da criatividade para contornar as carências. Se nossos artistas continuam a levar alegria, cor e brilho ao sofrido povo brasileiro, é por puro amor à arte e contra todas as expectativas. Se os editores continuam produzindo literatura da mais alta qualidade, é porque se uniram num esforço hercúleo para sobreviver em meio ao caos.

Diante das mortes, solapadas por um inimigo invisível aos nossos olhos, vemos os recursos para cultura, educação, esporte e pesquisas minguarem ano a ano. E, ai do instituto de pesquisa que apresentar dados que desagradem ao Palácio do Planalto: tem suas verbas cortadas na raiz. Paralelamente, o fundo partidário cresceu para um bilhão e, como se isso não bastasse, aprovaram, a toque de caixa, 6 bilhões de reais para o fundo eleitoral. Isso sem falar nos salários exorbitantes, nos auxílios escandalosos, nas aposentadorias indecentemente precoces dos políticos no Brasil.

Nossa economia vai bem, obrigada, ouvimos dos economistas e ministros. Bem para quem? Nosso PIB está crescendo? Para quem? Na minha vida de estudante de medicina, na década de 80, vi crianças internadas com desnutrição de terceiro grau. Ao longo de minha carreira, este diagnóstico foi desaparecendo dos leitos do SUS. Tal quadro, infelizmente, está retornando, apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos do planeta: “O celeiro do mundo!”. E isso, mesmo perdendo cerca de 30% dos nossos produtos ao longo da cadeia de comercialização. A fome está agora sendo chamada de “insegurança alimentar”. Nome simpático para quem nunca teve que se preocupar se terá alimento para o dia seguinte e nunca precisou entrar na fila da sopa da Assistência Social. E, pasmem, milhares de empresas têm subsídios do governo, teoricamente para preservar empregos. Mas o que eles não contam é que, ao longo das últimas décadas, essas mesmas empresas vêm demitindo aos milhares. E quando há alguma crise no Brasil, mesmo que esta não os atinjam, demitem aos borbotões. E por quê? Porque estão cada vez mais mecanizadas e robotizadas, inclusive o agronegócio. Onde se empregava centenas de pessoas, agora temos um operador de máquina.

Então precisamos de mão de obra qualificada, mas essa é parca no Brasil, pois não se investe adequadamente em educação. A solução: buscar essa mão de obra fora do país.

Mas por que isso continua a acontecer? Será que não sabemos votar? Ser enganados uma vez é desculpável, mas reeleger um político sabidamente desonesto e que não vai para a cadeia em função do posto que ocupa e do dinheiro que possui, é algo incompreensível. Só para ilustrar, vou lhes contar um fato interessante. Faço parte de um grupo de ilustradores científicos e fizemos alguns encontros nacionais. Um deles foi em Brasília. Sempre vamos à cata de patrocínios para nossos encontros, pois, incentivo à ciência e à arte é algo escasso por aqui. Em meio à correria do encontro, um dos colegas organizadores fez um comentário diante da prisão do prefeito, por corrupção: “Gente… Não consigo acreditar. Como foi isso? Ele é um cara tão legal. Nos recebeu tão bem e é tão educado…”.

Pois é, nós sabemos que se atrai moscas com mel. Enquanto houver tanta regalia para os políticos, atrairemos mais estelionatários e pessoas desonestas do que as honestas. E uma das características mais marcantes dos estelionatários é justamente sua gentileza, sua educação e sua inteligência. Claro que há pessoas gentis e honestas e pessoas desonestas e grosseiras, mas reeleger políticos sabidamente desonestos, é, no mínimo, estar totalmente desconectado da nossa realidade.


Imagem de destaque: Agência Brasil Fotografias

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