Vai!

Aleluia Heringer Lisboa 

Gabriel Garcia Marques diz que “a vida não é o que se viveu, e sim o que se recorda, e como se recorda para contá-la”. Vou então contar algo. Tinha onze anos. Muito magra e de cabelos bem enrolados. Estava com meus pais em uma viagem de dois dias no Rio de Janeiro. O contexto é uma aventura e assunto para outra história.

Naquela manhã entramos em um ônibus quando fiquei sabendo que o destino seria o mar, sendo esse trecho a parte “a vida é bela” da viagem e da história.

Como mineira, aquela imensidão em movimento de avançar e recuar, não me era nada familiar. Meu pai deu-me as mãos e entrou comigo na pouco amistosa água fria. Avançamos até onde “dava pé”. Então ele me carregou no colo, avançando um pouco mais, quando então se virou, me projetando em direção à praia e disse firme: Vai!

Comecei a rodar os braços para frente fazendo o possível para me aproximar daquilo que chamamos de “nadar”. Por instinto sabia que não podia parar. Não enxergava nada, contudo sentia a presença do meu pai na retaguarda. Depois de minutos de tensão e medo, consegui chegar à praia me sentindo enorme e forte. Não me lembro de falarmos sobre o episódio. Não era preciso. Continuamos a vida.  

Aquela voz firme dizendo “vai” não me era estranha. Já havia ouvido em outras situações. Uma delas foi quando ele disse: “amanhã você vai, caso contrário, levará uma surra (ou sova)”. Isso porque me agarrei ao corpo da minha irmã e recusei entrar na escola no primeiro dia de aula do 1º ano escolar. Ainda iria completar 7 anos. Ele não negociava com a moleza e sabia, como era próprio dos pais daquela geração, colocar os filhotes para fora do ninho.

As duas cenas, ainda menina, eram ritos de iniciação às durezas da vida. Usufruí de sua presença até os 15 anos, quando faleceu. Deixou para mim o didático, pedagógico e educativo: vai! Tão útil quando me faltava coragem e sobrava medo; quando esmorecia e era tentada a entregar os pontos; quando o mundo me respondia com hostilidade e intolerância; ou quando foi preciso lidar com a doença e morte de pessoas queridas. O vai do meu pai tem força até hoje, e consigo agora decifrar o quanto de doçura, sabedoria, amor e cuidado havia naqueles gestos. Em tempos de incertezas, nos fazem muita falta os impulsionadores de coragem, como este firme vai!

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