Mulheres nas Olimpíadas

Natascha Stefania Carvalho De Ostos1

Em julho de 2021 começaram os Jogos Olímpicos de Tóquio. Atletas de todo o mundo competem em diversas modalidades, exibindo, em sua maioria, corpos jovens e bem torneados. O público está preparado para ver altas performances, em modalidades muitas vezes associadas a determinado gênero. 

Um exemplo é o skate, que estreou como esporte nos jogos do Japão de 2021. No Brasil, a prática do skate foi historicamente desprezada por parte da população e das autoridades públicas. Inicialmente praticado na rua, ao ar livre, envolvendo manobras velozes e difíceis, a modalidade foi associada à ideia de uma juventude marginal e rebelde, ocupando os espaços públicos fora dos padrões estabelecidos. 

Na cidade de São Paulo, no ano de 1988, o então prefeito Jânio Quadros chegou a proibir o uso do skate, ato revogado pela prefeita Luiza Erundina, no início de 1989. Outro fato é que o skate ainda é visto como um esporte masculino, pelo perigo das manobras, pela resistência necessária para suportar quedas e machucados, além da moda das roupas largas/bonés, elementos culturalmente relacionados ao universo dos homens. 

Daí ser tão importante a conquista da brasileira Rayssa Leal, de 13 anos, ganhadora da medalha de prata nos Jogos Olímpicos. Uma criança magra, veloz, que mostrou a força do corpo feminino. A atleta desafia as noções de passividade e fragilidade ligadas ao ser menina. Meninas que normalmente são socializadas para não praticarem atividades fisicamente vigorosas, que possam envolver movimento, disputas e contato corporal. 

Também faz história a atleta brasileira Rebeca Andrade que, até o momento, conquistou duas medalhas olímpicas, prata e ouro, na ginástica. Como mulher negra, Rebeca ocupa um lugar rotineiramente frequentado por pessoas brancas. Suas vitórias, em modalidade tão competitiva, rompem com a imagem pré-concebida de quais indivíduos podem praticar o esporte. 

Outro exemplo de corpo feminino insubordinado nas Olimpíadas de Tóquio é a ginasta Oksana Chusovitina, do Uzbequistão, que completou 8 participações em Jogos Olímpicos, aposentando-se da modalidade com 46 anos. A ginástica é um esporte visto como essencialmente reservado aos muito jovens, e na modalidade feminina é esperado que as mulheres encarnem estereótipos de feminilidade, usando maquiagem, laços e roupas enfeitadas, por vezes aparentando ser mais novas do que realmente são. 

Chusovitina destoa do conjunto de atletas, uma mulher madura, sem enfeites e maquiagem que busquem disfarçar a sua idade, exibindo marcas e linhas de expressão. Nem por isso ela deixa de ter um corpo robusto e flexível, sendo capaz de competir de igual para igual com moças que poderiam ser suas filhas. Aliás, a ginasta é mãe de um rapaz de 22 anos, fato raro em um esporte que não costuma ser generoso com as atletas que priorizem outras áreas de suas vidas.  

Rayssa, Rebeca e Oksana são exemplos para meninas e mulheres do mundo todo. Elas inspiram para muito além da prática do esporte, mostrando que corpos femininos, em sua diversidade, podem e devem ocupar o espaço que desejarem, rompendo estereótipos etário, racial e de gênero. “Nesse sentido, é preciso pensar o esporte como importante vetor de identidades a partir das relações que estabelece entre conformações corporais e subjetivas. Seu alcance não se esgota naqueles que o praticam, mas atinge aqueles que o apreciam e o consomem” (Vaz, p. 850). Em um evento que exibe corpos tão disciplinados, como os Jogos Olímpicos, atletas mulheres têm rompido com a expectativa dos lugares que poderiam ocupar, desafiando preconceitos de toda ordem. 

 

1Historiadora – Pós-doutoranda da Fiocruz Minas. 

 

Para saber mais:
Jânio Quadros proibiu skate e disse que abuso de crianças era ‘impossível de corrigir’. Folha de São Paulo, 26 julho 2021. Acesse aqui

VAZ, Alexandre Fernandez. A construção dos corpos no esporte. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(3): 392, set./dez. 2011, p. 849-851. Acesse aqui

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Ricardo Bufolin / CBG

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