Crônica de uma intervenção planejada

Wojciech Andrzej Kulesza

A quebra pelo governo federal da regra consuetudinária, que recomenda a indicação para reitor do primeiro nome da lista tríplice enviada pela universidade, vem provocando uma série de transtornos ao ensino superior. Dezenas de universidades e institutos federais vêm sendo obrigadas a engolir, como seu dirigente máximo, um professor cujo programa de ação foi majoritariamente recusado pela comunidade. Um interventor, ao invés de um reitor sintonizado com os anseios da comunidade universitária. 

Essa prática insidiosa já se tornou motivo de discussão naquelas instituições cujos dirigentes estejam prestes a encerrar seu mandato, abrindo-se consequentemente o processo de sua sucessão. Desta forma, desde o início do processo de escolha esse comportamento esdrúxulo está presente, influenciando assim os rumos da indicação dos nomes da lista tríplice. Tem-se visto candidatos que, durante a campanha, apregoam ser candidatos alinhados com o governo e que é certa sua indicação, independente do eventual lugar que vierem a ocupar na lista.

Naturalmente, essas indicações têm sido recusadas pela comunidade, gerando movimentos de protesto que buscam anular essa intervenção seja pela via jurídica, acadêmica ou política. Enquanto isso, as atividades de ensino, pesquisa e extensão dessas universidades ficam temporariamente afetadas, causando graves prejuízos aos estudantes, aos docentes, aos funcionários e à própria comunidade. Sem respaldo interno, o interventor recorre a medidas autoritárias, complicando ainda mais a situação.

Este é o caso exemplar da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) há mais de sete meses em convulsão, desde que foi empossado reitor o terceiro nome da lista tríplice. Não fosse o esvaziamento dos campi universitários devido à pandemia, certamente o conflito entre a comunidade universitária e o reitor atingiria proporções desastrosas. Fazendo uso do pessoal da segurança interna da universidade, da Polícia Federal, o interventor tem sido acusado em inúmeros episódios, de violar a liberdade de expressão e manifestação e tenta agora expulsar dos campi as sedes dos sindicatos.

Tendo sido claramente empossado pelo atual governo, o reitor insiste em pautar sua agenda pelo comportamento desse mesmo governo, como se sabe, cada vez mais negacionista. Assim, por exemplo, quando o governo estadual transferiu alguns feriados com o objetivo de favorecer o isolamento social e conter a pandemia, o interventor disse que o decreto não se aplicava à universidade federal. Ignorando completamente o significado de uma república federativa, ele negou assim um decreto estadual!

Como bem situou um professor geógrafo na ocasião: ele está querendo remover a UFPB do território paraibano. De fato, essa sua atitude ultramontana de nortear-se muito mais pelo poder centralizado em Brasília do que na realidade da Paraíba, isola cada vez mais a universidade. Não sabemos até quando durará esse desmando, pois sua indicação está sub judice, uma vez que o seu nome foi incluído apenas por ter concorrido ao pleito, não obtendo um único voto dos Conselhos Superiores para fazer parte da lista tríplice.

No mês passado, esse reitor protagonizou mais um episódio típico de sua postura autoritária ao pedir a retirada da UFPB da Univerciência. Primeiro programa brasileiro de TV aberta e Internet produzido em parceria entre universidades públicas e TVs públicas dos nove estados nordestinos, o Univerciência foi lançado virtualmente no dia 22 de maio de 2021 com o significativo mote: “a ciência que nasce nas universidades públicas do Nordeste e reflete no seu dia a dia, você acompanha aqui!”.

Destinado à promoção, popularização e divulgação da ciência, o programa, significativamente, estreou exibindo iniciativas de enfrentamento à covid-19 tomadas por universidades nordestinas. Pois bem, quatro dias depois do seu lançamento, por meio do Ofício nº 272/2021/R/GR/UFPB, o reitor pede o desligamento da UFPB do programa “por falta de afinidade às pautas e aos trabalhos desenvolvidos, que se mostram muito mais com propósitos político-partidários do que estritamente acadêmico-científicos”.

Intempestivamente, sem ouvir os Conselhos Superiores e, muito menos os que fazem a TV Universitária, o magnífico reitor encontrou uma “falta de afinidade” da UFPB com a programação do Univerciência – supostamente com “propósitos político-partidários” – suspendendo a colaboração dias antes acordada. Certamente, ele julga que os responsáveis pela sua nomeação não se coadunam com esses “propósitos”. Ora, ao identificar na programação propósitos indesejáveis, ele é que está tomando partido, não agindo assim “estritamente” de modo acadêmico-científico.

O temor da comunidade acadêmica – temor justificado pelo seu comportamento nesses sete meses de mandato – é que ele, espelhando-se no exemplo que vem do Palácio do Planalto, crie na UFPB um “gabinete paralelo” responsável por orientar sua gestão à revelia dos órgãos institucionalmente responsáveis por isso. Em abril deste ano, o Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiros e Indígenas da UFPB denunciou um ofício expedido pela reitoria solicitando dados a respeito apenas dos servidores negros existentes na Universidade. Seria já uma manifestação com origem nas “sombras”?


Imagem de destaque: UFPB

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