Paulo Freire e os Direitos Humanos

Carlos Alberto de Moraes¹

Era setembro quando Paulo Freire nasceu. O calendário, debulhando o tempo, anunciou: dia 19. Ano de 1921. 

A infância de Paulo Freire transcorreu na Rua do Encanamento, 724, Bairro da Casa Amarela, Recife, Pernambuco. No terreiro da casa em que morava, sob os afetos e os cuidados da mãe, começou a escrever palavras com gravetos de mangueiras. 

A partir daí, em outras escolas, em outras cidades, com outras pessoas, ampliando percepções e esticando olhares, esse nordestino, esse brasileiro, esse latino-americano, esse cidadão sem fronteiras, dedicou-se a ler o mundo e a escrevê-lo com a vida.

Decifrando a sociedade, com suas belezas e mazelas, avanços e retrocessos, contradições e singularidades, caos e cosmos, Paulo Freire mergulhou no que há de mais humano nas pessoas, compreendendo as dores e sofrimentos dos seus companheiros e companheiras de caminhada e a dualidade que persistia em habitar a consciência do oprimido: de um lado, as correntes ideológicas impostas pelo opressor, e, de outro, a ânsia por libertação. 

Por isso, movido pela compaixão e pela reverência à sacralidade da vida, conseguia aspergir doçura e mansidão ao seu redor, mas mantinha-se obstinado, perseverante e incansável na cotidiana liturgia de pensar a pedagogia do oprimido.

Porque sabia respirar a vida em plenitude, oxigenou gerações. Reside nele a fonte inspiradora de tantos de nós, educadores e educadoras populares, professores, pesquisadores, religiosos, acadêmicos, integrantes de movimentos comunitários e sociais, e seu pensamento está definitivamente inscrito na história das ideias pedagógicas.

Como um nazareno pernambucano, percorreu o universo das concepções educacionais, da reflexão e da crítica, firmando os pés na sua própria experiência, nas práticas que desenvolvia, na valorização da memória, na atenção à oralidade, na acolhida carinhosa à diversidade, na horizontalidade dialogal.

Colocou-se, humildemente, em oferenda à causa da educação como prática da liberdade. 

Como educador popular, ele nos ajudou a resgatar o sentido da educação pública como direito de todas as pessoas. Para ele, educação é diálogo, é liberdade, é ato político, é autonomia e esperança, e tem que ser crítica, emancipadora e transformadora.

E é para recordar, cultivar e manter vivo o legado de Paulo Freire que celebramos, em 2021, seu aniversário, e comemoramos o centenário de seu nascimento. 

As comemorações organizam-se ao redor da defesa da educação pública, gratuita, laica, integral e emancipadora e das ações desveladoras da mercantilização, virtualização e privatização da educação.

Nesse nosso tempo ácido de ruptura institucional, de necropolítica, de genocídio, de racismo, homofobia, feminicídio, destruição da natureza, soterramento dos direitos dos povos indígenas, do povo cigano, das religiões de matriz africana, urge conversar com Paulo Freire e reavivar a esperança. Urge posicionar-se e perfilar-se, teimosamente, na resistência e na luta pela garantia dos direitos humanos e da natureza, pela pluralidade cultural, pela justiça social, contra o racismo estrutural que engendrou a sociedade em que vivemos, Urge explicitar a alienação desumanizante a que somos submetidos, denunciar as falsas notícias que circulam na pandemia das redes sociais, desmascarar a pretensa neutralidade política da grande mídia e do judiciário.

É preciso que sonhemos – com as mãos – flores, diálogos e revoluções.

Escutemos Paulo Freire! Caminhemos em sua companhia! Libertemo-nos em comunhão!

Com ele, reafirmemos o direito à pedagogia dialógica e à educação problematizadora e libertadora. 

Só existe educação, verdadeira educação, quando sobrevivem o respeito, a confiança mútua e o amor.

1Professor, Pedagogo e membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim. 


Imagem de destaque: Nefandisimo / Wikimedia Commons – Mural de Paulo Freire na Faculdade de Educação e Humanidades da Universidade do Bío-Bío, no Chile.

 

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