2020 foi um ano perdido para a educação?

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Em março de 2020, com a chegada do novo coronavírus no Brasil, que matou mais de 240 mil pessoas até o momento no país, as aulas presenciais foram interrompidas pela necessidade de distanciamento social. Com as escolas fechadas, as redes adotaram, mesmo sob críticas, o ensino remoto emergencial. Como era previsto, os entraves foram muitos: insuficiência de equipamentos, ausência de boa conexão de internet, lacunas na formação dos educadores, dificuldades de organização de estudantes e familiares para esse formato, negligência das administrações públicas em ofertar provimentos, ausência de acesso às plataformas adequadas, currículos empobrecidos, orientações conflitantes das secretarias de educação, dentre outros. Resultado: educadores sobrecarregados, burocratização excessiva, aprendizagem mitigada, tensões nas equipes escolares, aflições de estudantes, familiares e alto índice de desistência. 

Diante desse quadro, como afirmar que para a educação o ano de 2020 não foi um completo fracasso? É possível dizer que não foi um completo fracasso, um ano perdido, por vários motivos, cabe destacar dois deles. O primeiro é que felizmente a educação pública acontece de fato nas comunidades escolares e não nas repartições tecnocráticas da administração pública. E segundo, ao qual vou me dedicar mais, as experiências por meio do trabalho constituem um irredutível com potencialidades efetivas de realização.

O filósofo francês Henri Lefebvre, no livro A Cidade do Capital, analisa a partir da contribuição marxista que “(…) tudo se vende e se compra, se avalia em dinheiro. (…). Com efeito, uma mercadoria escapa ao mundo da mercadoria: o trabalho, ou antes, o tempo de trabalho do trabalhador (proletário)”. E continua: “(…) não é uma brecha ocasional; é mais e melhor; a contradição se instala no coração da coesão do capitalismo.” Assim, Lefebvre identifica o trabalho com um irredutível. Mesmo com ampla engenharia para que todos os aspectos da experiência humana sejam capturados pela lógica da mercadoria no mundo capitalista, o trabalho persiste com capacidade de emancipação. Ora, não foi isso que aconteceu durante o ensino remoto? Os profissionais em educação, tensionados constantemente a agirem como componentes para a reprodução da pobreza tecnocrática, induzidos por hipóteses falaciosas como da teoria do capital humano, fizeram diferente. Apesar das concepções equivocadas que entendem a educação como investimento e estudantes como elementos a serem capacitados, isso quer dizer adequados para o mercado, e nada além disso, houve mais, pela prática e reflexão pelo trabalho. Os educadores da escola básica aprenderam a utilizar novas tecnologias, foram mais colaborativos uns com os outros para superarem as limitações e reelaboraram formas de aprender e ensinar buscando atingir o maior número de alunos possíveis.

Outros aspectos poderiam ser apontados para demonstrar que 2020 não foi um ano perdido considerando o envolvimento de estudantes, familiares e outros profissionais auxiliares, ainda que em um período de tanta privação e sofrimento. Contudo, é preciso reconhecer e ressaltar o elemento potencial do próprio trabalho, tantas vezes extraído. Porque a justa memória desses dias difíceis revela um aprendizado importante para o que é necessário fazer e pode ser alcançado junto aos estudantes, quando tivermos condições verdadeiramente seguras de retorno às aulas presenciais.


 Imagem de destaque: Cleiton Tereza.

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