O gigante voltou a dormir?

Renata Fernandes Maia de Andrade 

Raquel Augusta Melilo Carrieri

Por que, diante de contextos sociopolíticos que impelem um movimento de mudança, o povo se cala? Essa podia ser uma questão de pesquisa acadêmica (talvez até seja). Mas, nossa intenção é fazer emergir reflexões de um movimento intelectual que ultrapassa a fronteira universitária. De diversas formas, muitos estão se perguntando: Por que, diante de muitos absurdos cometidos por governantes, a população não se manifesta? Percebe-se uma sensação, compartilhada: há um cansaço, uma falta de energia para levantar a voz. 

A inércia social pode ser justificada por um conjunto de fatores, objetivos e subjetivos. Objetivamente, parcela da população brasileira economiza energia porque precisa usá-la para sobreviver. Há, portanto, um cansaço físico e real que adoece mentes e corpos de uma maneira tal que os imobiliza. E há, também, e talvez mais forte, um movimento invisível de colocar o povo na posição de espectador. 

Esse movimento não é, de fato, invisível. Ele é, na verdade, invisibilizado por um conjunto de ações que pretende tirar as possibilidades de reação dos cidadãos. E quais seriam essas possibilidades? 1) Criação e valorização de um senso de coletividade e solidariedade e 2) Formação de um espírito crítico por meio da Educação. 

O senso de solidariedade, que une alguns grupos em torno da sensação de autoproteção e cooperação, parece estar completamente desconectado da ideia nuclear de comunidade. Bom, a maior parte das sociedades modernas já não se organizam politicamente em torno de comunidades. Algumas iniciativas bem sucedidas e, com representatividade nacional, até existem no mundo. Mas estamos falando de Brasil. 

Os grandes centros urbanos, que concentram a maior parte da população do país, são grandes representantes de um novo modo de vida: a individualidade compartilhada. Criam-se feudos, com muralhas bem protegidas, com espaços que oferecem boa parte do que a vida pública era capaz de oferecer: lazer e acesso a serviços e comércio. Dessa maneira, indivíduos que podem morar nestes feudos não precisam se preocupar com as condições de vida de quem está fora (a não ser que isso ameace sua própria segurança). Margareth Thatcher sintetizou muito bem: “não existe essa coisa de sociedade. Há homens e mulheres individuais e há famílias”. 

Então, o individualismo compartilhado atuou e atua de duas maneiras: ele age no espaço criando estruturas autocentradas e fechadas. Ele vende, junto com todas as peças do liberalismo, a ideia que viver nessas estruturas deve ser algo desejado, um objeto de consumo. Então, para uma parcela da população periférica, sobretudo as que estão sendo educadas na ética puritana meritocrática, não há uma valorização plena dos espaços de convivência compartilhada das comunidades. Até porque, a rede de solidariedade, por mais positiva que seja, surge para consertar as fissuras do Estado e para suprir as necessidades básicas das pessoas. 

O modo de vida urbano brasileiro, e as desigualdades socioespaciais por ele produzida, não estimulou a criação de espaços de vivência compartilhada. Isso explicaria a ausência do senso de solidariedade? Isoladamente, não. A solidariedade, como agregadora de uma nação, é construída por meio de projetos de país que defendem o bem comum dos cidadãos. Se em algum momento da nossa história flertamos com algo desse tipo, isso é muito distante do que vemos hoje.  

As desigualdades socioespaciais estão postas. Quem as vive não está se perguntando se o presidente ou o restante do país se preocupa. Quem vive os efeitos da desigualdade cria camadas de resistência sobrepostas à realidade: sobrevive. São várias as camadas de resistência. Uma muito importante, que fornece à mente uma possibilidade de manter-se sã, é a fé. E a Educação nada mais é do que a fé na transformação. Mais do que acreditar no futuro, os processos educativos fornecem ferramentas intelectuais que permitem que o indivíduo amplie sua percepção da realidade. Ampliação da mente é pulsão. Energia. O oposto de inércia. 


Imagem de Destaque: Raquel Augusta Melilo Carrieri

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