O ócio compulsório

Eugênio Magno

Até por volta dos anos 1980 quando sociólogos, pensadores e futurólogos anunciavam o porvir, nos acenavam para uma era em que os trabalhos repetitivos e maçantes seriam desempenhados pela máquina. Líamos e ouvíamos, com entusiasmo, que os trabalhadores teriam mais tempo para dedicar à família, aos esportes, à arte, a um hobby, ao lazer. Enfim a cultivar o ócio, tão caro aos gregos na antiguidade. Só não profetizaram que todas essas “bênçãos” da era tecnológica, viriam acompanhadas de desemprego e, consequentemente, falta de dinheiro, de renda e de uma diminuição substancial do poder de compra. Com o aumento das horas ociosas e da oferta de lazer inacessível, o que era antes chamada classe trabalhadora, são agora os novos pacientes de psicólogos e psiquiatras e a clientela cativa da indústria farmacêutica. Vítimas da depressão, do alcoolismo, da obesidade, do sedentarismo e de várias compulsões, têm nos remédios tarjas pretas e no álcool (para falar apenas de drogas legalizadas), o seu consolo. Isso para os que ainda dispõem de algum recurso e encontram o apoio da família e a solidariedade dos amigos. A grande maioria, no entanto, tem pior sorte e se utiliza de outros expedientes para dar cabo ao pesadelo que veio na garupa dos novos tempos.

O que era trombeteado como futuro se tornou presente rapidamente e habita entre nós. A máquina do tempo foi turbinada e o futuro chegou como visitas que, embora anunciadas, chegam adiantadas, sem que haja tempo para reabastecer a despensa, arrumar a casa, encomendar os quitutes, preparar o quarto de hóspedes… Hóspedes não, porque o futuro-presente não é turista, e sim novo morador. Veio para ficar e é bem vindo. Seus arautos é que nos enganaram com promessas fakes. A bagagem e a entourage do novo morador é que constituem obstáculos e incômodos, são personas non gratas.

Centros do poder político mundial, teleguiados por setores da extrema-direita pouco lustrada de adeptos do rentismo, deram vazão a uma onda negacionista, autoritária, inflada de ódio, ressentimento e intolerância desarrazoada, contra as quais temos que bradar e resistir – à força, se necessário for –, para que o desmanche civilizacional não seja completo. Mais do que triste é revoltante e repugnante testemunhar, mesmo em combate, a perda de princípios iluministas e de outras tantas e importantes conquistas científicas, tecnológicas, sociais e humanistas, ancorados em valores democráticos e republicanos ainda tão tenros e carentes de aperfeiçoamentos. O presente e o futuro próximo estão comprometidos por forças retrógradas que encontraram eco onde não se esperava.

As elites atrasadas, apoiadas por uma classe média ascendente iletrada, mal informada e deformada por uma educação de baixíssima qualidade e uma licenciosidade artístico-cultural aviltante, resultado de populismos de todos os matizes, dos excessos identitaristas e dos modismos da hegemonia digital, impôs uma agenda tresloucada, de ponta-cabeça. Os capitães do mato contemporâneos são os workaholics que ocupam todos os turnos de todos os postos de trabalho. Eles dispõem de telas e comandos poderosíssimos, mas atuam como robôs. Desconhecem as humanidades. Não pensam, foram e são pensados, mentorados por coaches e influencers e, com o mesmo automatismo que acionam botões que movimentam a máquina contra seus pares, são acionados pelos detentores dos meios de produção cibernéticos e do capital.

Não nos enganemos, a humanidade está dividida entre uma faixa mínima (menos de cinco por cento) da população mundial que controla a vida e a riqueza no planeta; uns poucos que trabalham muito e ganham altos salários para fazer a roda girar; um grupo de trabalhadores precarizados que fazem os serviços subalternos essenciais; uma fração populacional dividida entre trabalhadores especializados e intelectuais que estão sendo descartados, contraditoriamente, em razão de suas competências e qualificações e mais outro tanto de invisibilizados que, apesar de ser maioria, não aparecem mais nem como números, estão sendo substituídos pelos que vendem até suas horas de sono e não mais se solidarizam com os seus iguais, pois já perderam até mesmo o amor próprio.

Aqui estamos, diante do futuro, esse presente que ganhamos desembrulhado, como um contêiner de suprimentos lançado do alto e que se abriu, sem ritual de entrega: a leitura do cartão, o desatar dos laços da fita, o desenrolar do embrulho e a cerimoniosa abertura da caixa. Esse futuro também não veio com manual de instruções. A expectativa era muito grande e a surpresa foi além da conta. A entrega foi muito rápida e maior do que a encomenda. 

O que fazer… (?).

Haja criatividade para tanto ócio. Mas não vamos sucumbir diante dessa situação-limite, certamente não. Afinal, podemos e devemos usar o ócio para aprofundar o conhecimento de nós mesmos – forças e fraquezas – e nos aprimorarmos. Fazer um diagnóstico preciso do presente e uma análise conjuntural objetiva da realidade, nos organizar mais e melhor para, dentre outras ações vitais, recuperar nossas posições usurpadas pela impostura dos que sempre estiveram ocupados demais para pensar e agir de forma inteligente e consciente.


Imagem de Destaque: A Escola de Atenas (Rafael Sanzio)/Wikimedia Commons

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