IDEB enquanto indicador de resultados, e não de qualidade

Marcos Rogério*

Quem trabalha em escola, mais precisamente nas escolas que oferecem Ensino Fundamental e/ou Médio, certamente já ouviu falar do Índice de Desenvolvimento da Escola Básica (IDEB). Os discursos produzidos no ambiente escolar costumam ser bastante recortados e, geralmente, visam anunciar que o índice desceu, subiu ou que precisa ser melhorado. Nada muito diferente das informações veiculadas nos noticiários, do uso político dos resultados para promover ranqueamento entre escolas ou da associação do índice a aspectos ligados aos professores.

Se há algo conflitante nesses pontos de vista e compreensões é que os discursos, na sua maioria, têm se mostrado um tanto frágeis e não contribuem para construir o que Habermas descreveria como estrutura intermediária entre o sistema político e a sociedade civil. A construção de indicadores, ou índices, é um grande avanço no processo de avaliação de políticas públicas. Ao contrário de outrora, atualmente as medidas avaliativas têm possibilitado um campo de estudos com teorias, processos e métodos específicos, que comportam subáreas com características distintas, a saber: avaliação de sistemas educacionais, de desempenho escolar e institucional. Se no passado as avaliações estavam restritas aos processos de contagem, tendo em vista produzir estatísticas descritivas de caráter institucional tanto do sistema público quanto do sistema privado, o novo modelo passou a considerar questões públicas, da educação e do acesso ao interior das escolas como lócus de políticas públicas.

Convém destacar que o IDEB é uma proposta recente, pois data de 2007 a sua criação. A iniciativa é atribuída ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), assim como o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Decreto n.º 6.094/07). O índice é medido a cada dois anos e é construído a partir da junção de duas variáveis: do nível de proficiência dos estudantes em final de ciclo (5º, 9º e 3º ano do Ensino Médio) nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática e do fluxo escolar (aprovação versus reprovação; abandono do estudo). A combinação desses dois indicadores tem sido considerada a principal propositora de políticas públicas e indutora de ações das escolas e dos sistemas de ensino para a efetivação do que se convencionou chamar de qualidade da educação. Apesar de ser um indicador de resultado e não de qualidade, é a partir deste que se tem mobilizado diferentes ações em prol de melhorias nos sistemas de ensino.

Nesse caminhar, o IDEB passou a ser considerado um elemento central e inovador no debate educacional brasileiro. A possibilidade de avaliar as escolas pelo aprendizado dos alunos, expresso pelo desempenho, tem sido uma forma de reforçar não apenas o direito do estudante de estar na escola, mas de assegurar o direito ao conhecimento e à aprendizagem. No entanto, o uso de apenas um indicador simples como medida de qualidade da escola e dos sistemas de ensino, apresenta-se como um dos principais pontos que precisa ser revisto. Não se trata de negar o IDEB. A sua importância, na medida em que consegue apontar fragilidades nas escolas, relacionadas ao desempenho e fluxo escolar, é extremamente relevante, mas mostra-se insuficiente enquanto indicador de qualidade.

É importante considerar que o debate sobre qualidade da educação precede a criação do IDEB. O efeito dos insumos escolares (condições de trabalho dos docentes, número médio de alunos por turma, número de horas/aula, salário dos professores, estilo de gestão, etc) sobre o desempenho educacional é amplamente reconhecido na literatura nacional e internacional. Assim como o impacto dos componentes objetivos indicados pela teoria bourdieusiana (capital econômico, capital social e capital cultural) e subjetivos (capital cultural incorporado) dos alunos e familiares. Portanto, limitar a construção do IDEB à apenas duas variáveis e não fazer associações a fatores casuais ou subjetivos – não pedagógicos ou sociológicos –, certamente faz do índice um indicador sintético, apenas de resultado, e não de qualidade.

O uso midiático do IDEB, bem como a perpetuação de discursos que levam em conta apenas aspectos cognitivos dos estudantes e o fluxo escolar como forma de atingir metas de qualidade e produtividade na educação, sem exigir investimentos em questões estruturais da escola e na promoção da carreira docente, certamente poderá resultar num sistema educacional disfuncional, que faz uso de indicadores apenas para produzir ranqueamentos e precarização das escolas públicas.

*Doutor em Educação – UFSC (2020); Mestre em Educação – UFSC (2015); Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais – UFSC (2013). Desenvolve estudos e pesquisas na área de Educação e Sociologia da Educação, com foco principalmente nos temas: Ensino Médio, desigualdades escolares, democratização da educação, meritocracia, práticas de violência na escola e sistema prisional.


Imagem de destaque: Pedro Ribas/ ANPr

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *