As pátrias locais e a independência em terras paraibanas

Cláudia Engler Cury*

A questão das pátrias locais em contraposição ao projeto de unidade nacional propugnado por Pedro I sempre esteve inscrita nas culturas políticas, nos jogos de poder e lutas de representação no processo de independência do Brasil e, mais especificamente, no cenário político das “revoltosas” províncias do Norte do Brasil.

Durante as comemorações do sesquicentenário da independência, em 1972, publicou-se pela Imprensa Universitária, uma pequena brochura intitulada: A cidade de Parahyba na época da independência, escrita por Archimedes Cavalcanti.

Capa do livro A cidade de Parahyba na época da independência. Archimedes Cavalcanti. Imprensa Universitária. Acervo pessoal da autora.

Nela, se identifica o dilema ou luta de representações presentes na historiografia paraibana após décadas do “Grito do Ipiranga”. As explicações tecidas por Archimedes Cavalcanti sobre o passado oscilam entre o sentimento patriótico atribuído por ele aos paraibanos por ocasião dos episódios de 1822, e a presença dos mesmos na “Revolução de 1817”, que fora fortemente sufocada em virtude de sua perspectiva republicana que realçava a construção e o fortalecimento das pátrias locais.

Na última parte do livro, o autor se dedica “à proclamação da independência na cidade de João Pessoa” – a construção das narrativas historiográficas sobre o processo de independência nessa parte das províncias do Norte. Ele descreve uma linha invisível entre o 7 de setembro de 1822 e os acontecimentos de 1789 – a Inconfidência Mineira e o movimento emancipacionista de 1817, cujas lideranças principais eram pernambucanas, mas receberam apoio dos paraibanos. A interpretação repercutiu como explicação plausível de antecipação dos atos de Pedro I em terras locais e desdobrou-se com a proximidade dos anos de 1822, como elo direto entre os chamados movimentos nativistas, indicando que o espírito de liberdade em relação à metrópole encontrou solo fértil nessas paragens do Império.

O principal argumento é o de que a independência do Brasil já teria acontecido nas províncias de Pernambuco com fortes aliados na vizinha Parahyba do Norte. Os historiadores locais insistem que essa deva ser “a verdadeira história a ser contada” para os estudantes de todo o Brasil, enaltecendo os valores patrióticos daqueles que se anteciparam à emancipação do Brasil frente a Portugal.

A forte repressão sofrida pelos revoltosos por parte das autoridades locais nos anos de 1800 é encarada pela historiografia como injustiça. Os estudiosos afirmam que seus líderes teriam sido injustamente mortos e condenados por crime de lesa majestade e que, apesar disso, cinco anos depois dos acontecimentos de 1817, a história veio para mostrar que os revolucionários estavam certos e que, ao contrário de sua condenação de “traidores da pátria”, deveriam receber da historiografia os mais altos elogios por terem dado suas vidas à causa da independência e da liberdade do jugo dos portugueses.

Nas palavras do autor: “A Revolução de 1817 não foi o primeiro movimento brasileiro de repúdio à coroa lusitana. Mas pode ser considerada, com sobejas justificativas, a primeira grande reação em cadeia que a formação de uma consciência nacional, cada vez mais sedimentada, fêz explodir contra o jugo absolutista e espoliador da nação ibérica conquistadora dêste espaço das Américas” (CAVALCANTI, 1972, p.01).

Além disso, os paraibanos deveriam se orgulhar por terem sido os primeiros a enviar – por meio de José Bonifácio de Andrade e Silva – “a primazia da Paraíba na verdadeira história que se queira escrever sobre as lutas pela independência do Brasil”. O autor está se referindo a um fato ocorrido em 11 de junho de 1822: por falta de recursos os paraibanos não puderam enviar ao Rio de Janeiro um representante junto à Regência. Dessa maneira, em comum acordo com José Bonifácio, a Paraíba se fez representar por meio do “patriarca” que se tornou seu “embaixador” e “conhece-se como legítima e a única que deve ser obedecida a soberania do Príncipe Regente D. Pedro, para todo e qualquer negócio do Brasil”.

Como se vê, entre uma narrativa oficial da independência e as experiências, memórias e escritas locais existem muitas distâncias, diferentes representações, ângulos e perspectivas. Nesta disputa pela “verdadeira história” a ser contada se reposicionam heróis, datas e acontecimentos. Importante é entender que não há uma hierarquia e que as histórias locais não devem ser negligenciadas.

*Professora Titular da Universidade Federal da Paraíba


Imagem de destaque: Capa do livro A cidade de Parahyba na época da independência. Archimedes Cavalcanti. Imprensa Universitária. Acervo pessoal da autora.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *