Amar, educar e responsabilizar:Verbos para a prática com nossas crianças e adolescentes

Maria Ignez Costa Moreira*

Em 2020 o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que resultou da luta de muitos e muitas pela defesa e garantia dos direitos humanos e de cidadania plena de crianças e adolescentes, completa trinta anos, e mais do que nunca é preciso comemorar o seu aniversário. É urgente resgatar as nossas aprendizagens históricas, para prosseguir a luta, pois nesses tempos sombrios as políticas públicas de cuidado e proteção de crianças e adolescentes têm sido desconstruídas e o ECA desconsiderado, e em consequência as nossas crianças e adolescentes estão em situação de grave risco.

Por ocasião da nomeação do atual ministro da Educação, o pastor da Igreja Presbiteriana Milton Ribeiro, foram amplamente divulgadas pela mídia algumas de suas declarações feitas em 2016, durante um ato religioso em sua Igreja. Ele pregava a “vara da disciplina” como instrumento pretensamente pedagógico a ser usado com as crianças, amparando-se em textos bíblicos do Antigo Testamento. Ao defender os castigos físicos como prática corretiva e educativa, o hoje ministro da Educação argumentou não ser possível dialogar com as crianças, pois elas não seriam capazes de compreender uma advertência ou estabelecer um diálogo com pais, mães, educadores e educadoras e refletirem sobre as suas atitudes. Ele fez a ressalva de que “apenas” e “talvez” uma porcentagem de crianças muito pequena, aquelas consideradas por ele como precoces ou superdotadas, seria capaz de compreender um argumento. Portanto, os castigos físicos seriam justificáveis e necessários. A mídia também noticiou que o atual presidente da República defendeu recentemente o trabalho infantil em uma reunião com empresários, tendo sido aplaudido por eles.

Essas declarações de duas figuras constituídas de autoridade naturalizam duas violações de direitos das crianças e dos adolescentes representadas pelas práticas dos castigos físicos e da exploração do trabalho infantil. Não se pode esquecer que o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1989, e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990. Quanto ao trabalho infantil, o Brasil incorporou em seu arcabouço jurídico as normas da Organização Internacional do Trabalho – OIT no que se refere à erradicação do trabalho infantil. Portanto, essas declarações são de extrema gravidade, pois partiram de autoridades constituídas que, ao tomarem posse de seus cargos, assumiram o dever constitucional de defender os direitos das crianças e dos adolescentes.

No processo de elaboração do ECA problematizamos e desnaturalizamos a palavra “menor” e a substituímos pela palavra “sujeito”, pois entendemos que crianças e adolescentes são sujeitos portadores de direitos. Ultrapassamos a ideia de enfante no sentido do “não falante”, para compreender que crianças e adolescentes são falantes. Assim, nos dispusemos à escuta ativa desses sujeitos e nos comprometemos a não convertê-los mais em objetos. Isso quer dizer que consideramos as crianças e os adolescentes como pessoas capazes de diálogo e de compreensão e que os adultos significativos com os quais eles convivem na família e na escola têm um papel importantíssimo de mediação desse diálogo, pois é a palavra que nos humaniza.

Compreendemos que crianças e adolescentes são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e decidimos que seriam tratados como prioridade absoluta pelo Estado brasileiro, que deve promover políticas públicas de educação, saúde e assistência social, de modo a garantir o seu desenvolvimento pleno e saudável. Entre as definições do ECA está o direito à convivência familiar, social e comunitária das crianças e adolescentes e, para que tal direito pudesse ser concretizado, estabeleceu-se também que o Estado tem o dever de destinar às famílias em situação de precariedade de políticas públicas de proteção social para que fossem amparadas e pudessem exercer seus deveres de cuidado, educação e proteção de seus filhos e filhas, e desfrutar com eles e elas o direito da convivência familiar. É preciso ressaltar que, desde a Constituição Cidadã de 1988, a assistência social passa a ser tratada como um direito e não como uma dádiva.

O ECA (1990) mostra uma sociedade que foi capaz de celebrar esse pacto civilizatório e de colocar em comum seus compromissos e utopias por uma vida transformada. Evidentemente, nesses trinta anos a luta continuou, com avanços e recuos, com desafios, com acertos e desacertos, de modo que entre a intenção e o gesto encontramos múltiplas contradições, retrocessos, repetições de antigas práticas, mas caminhamos ainda que às vezes por caminhos tortos. Mas podemos e devemos nos congregar na vontade potente da mudança e da construção de uma sociedade pautada na equidade, na justiça e na paz.

A violência cometida contra as crianças e adolescentes, manifestada de diversas formas nos castigos físicos, na ameaça, no abuso sexual, no abandono emocional e moral, na exploração do trabalho infantil e na exclusão do acesso à escola, à cultura, ao lazer, ao esporte, às tecnologias digitais, origina-senas relações assimétricas de poder e ao mesmo tempo revela tais relações de dominação. A violência é pedagógica no sentido de estar a serviço de uma forma de organização da vida, de um modelo de sociabilidade que reafirma relações de subalternidade e que naturaliza a desigualdade.

Não se pode educar crianças e adolescentes sem amá-los e é por amá-los que nos tornamos responsáveis por eles e por elas. Responsáveis, somos coautores do Estatuto da Criança e do Adolescente e defensores dos direitos das crianças e dos adolescentes, e mais uma vez responsáveis por combater toda e qualquer forma de violência. A violência dos castigos físicos e a exploração do trabalho infantil não formam sujeitos livres, capazes de formação de vínculos afetivos e do exercício da solidariedade.

* Professora da Faculdade de Psicologia/Programa de Pós-graduação em Psicologia PUC Minas.


Imagem de destaque: Myriam Zilles / Pixabay

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