31 anos do ECA: mais um ano entre ficção e ação?

Túlio Campos ¹

Larissa Altemar

Coletivo Geral Infâncias

Em agosto deste ano o Seminário 30 anos do ECA – Entre Ficção e Ação completa 1 ano! O evento foi construído coletivamente por iniciativa dos estudantes da linha de Pesquisa Infância e Educação Infantil da Faculdade de Educação da UFMG (FaE/UFMG), integrantes do Coletivo Geral Infâncias e docentes do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil (NEPEI/UFMG). As mesas temáticas, conversas, debates sobre filmes e podcasts ainda podem ser revisitados no YouTube do NEPEI e do Pensar Educação Pensar o Brasil. E para relembrar temas importantes em torno dos direitos das crianças e adolescentes, presentes no debate do seminário, convidamos Luciana Bizotto, Aline Regina Gomes e Joelma Andreão de Cerqueira, que participaram ativamente da organização do evento, para refletir sobre questões que interligam às infâncias no contexto atual.

Depois desse ano atípico que se estende e continua impactando a vida das crianças, como você interpreta as resistências e utopias das infâncias em 2021? Esses termos aparecem no texto de memória do evento, também publicado aqui no Pensar. Como vocês os avaliam hoje?

Luciana aponta que no contexto de fechamento das escolas que se estendeu com a pandemia, as crianças e as famílias seguem não sendo ouvidas sobre suas necessidades: “Praticamente não há uma política pública sequer de direcionamento ou coordenação da prática do retorno. A invisibilização dos casos de abuso e exploração sexual infantil durante o isolamento social, agravada com o fechamento das escolas e a restrição dos atendimentos de equipamentos de assistência, é outro ponto de destaque – e isso em um cenário em que cerca de 80% dos casos ocorrem dentro de casa e a maioria envolve pessoas da família, segundo especialistas”.

Aline afirma que estamos em uma situação ainda mais dramática do que em agosto de 2020: “A ficção do título do evento é provocadora no sentido de ser aquilo que nos desloca o olhar, a criação que nos sinaliza caminhos possíveis e nos traz a possibilidade de mudança do status quo. O evento nos “incomodou” positivamente neste ponto, de sermos vagalumes e dizer não a tudo aquilo que oprime e deprime, ofuscando a capacidade que crianças e adolescentes têm de nos mostrar a abundância da vida”.

Joelma destaca a importância e força dos coletivos nos movimentos que buscam garantir os direitos das crianças e adolescentes: “Os coletivos, pesquisadores e instituições ligadas à defesa dos direitos das crianças vem tentando dar visibilidade às violações dos direitos das crianças durante esse tempo, inclusive através da voz das próprias crianças”.

A partir dos diálogos vivenciados no evento e de todo o contexto que estamos vivendo, qual aspecto da violação dos direitos das crianças e adolescentes vocês avaliam como ponto mais urgente?

Luciana: “Em termos de políticas públicas, a urgência muitas vezes se define a partir do diagnóstico da realidade. E é cruel, porque vivemos um momento na nossa política em que os dados são forjados e a produção científica desacreditada. É preciso insistir na produção de dados, relatórios e fóruns de discussão, para escancarar a violência que elas têm sofrido e que tem sido apagada e silenciada por esse governo. E lembrando que esse processo se dá, somente, com uma escuta sensível desses sujeitos.

Aline: Sem dúvidas, neste momento, pontuo a fome e a insegurança alimentar. O direito à alimentação de qualidade vem sendo extremamente violado em função das lacunas que a falta da escola deixou.

Joelma: O direito à educação. Considerando que muitas crianças não estão tendo sequer o acesso às atividades escolares de forma remota durante um ano e meio. Mesmo as que têm tido esse acesso, isso não é garantia de acesso à educação.

Relembrando o material belíssimo em formato de podcast “Pequenos Diálogos” Ep. 2, retomamos uma pergunta: existe criança que não merece liberdade?

Luciana: Claro que não! Como diria Manoel de Barros, “quem anda no trilho é trem de ferro”. Mas é difícil falar em liberdade num contexto de confinamento, a nossa realidade neste 2021. Uma pesquisa internacional apontou que os maiores indicadores de bem estar para as crianças e adolescentes durante a pandemia é a sensação de pertencimento e proteção. Como se sentir protegida em um contexto de total desamparo, em termos de políticas públicas? E como lidar com o pertencimento em uma sociedade tão dividida?

Aline: O que significa merecer liberdade em um contexto pandêmico de inúmeras restrições? Interessante perceber como a vivência deste contexto em conjunto (adultos e crianças “presos”) pode ter alterado vários combinados ou merecimentos libertários. Além disso, liberdade tem total relação, ao meu ver, com as possibilidades que oferecemos às crianças e aos adolescentes de participar, de se empoderar, de agirem e de protagonizarem suas vivências, sem deixar de nos posicionarmos como adultos na relação. Tal aspecto foi também discutido ao longo do evento, com destaque na mesa sobre o filme ” O quarto de Jack”.

Joelma: Mais que merecer, toda criança tem o direito à liberdade. O Ep. 2 do podcast “Pequenos Diálogos” apresenta diferentes percepções das crianças sobre esse direito a partir de suas experiências pessoais, nos fazendo refletir como nossa relação com elas constrói essas percepções, mostrando que o direito do ponto de vista legal nem sempre é vivenciado no cotidiano.

Como vocês avaliam o alcance, político e institucional, do evento e quais são as perspectivas, nestes tempos sombrios, no que se refere aos direitos das crianças e adolescentes? “Para onde vamos?”

Luciana: Esse evento foi uma ação diante da urgência, no sentido de dar visibilidade as violações de direitos das crianças e dos adolescentes em um contexto de negacionismo, invisibilização de sujeitos e genocídio (de crianças, inclusive) no nosso país. É o que nos coube, enquanto pesquisadoras e pesquisadores, em um momento em que o distanciamento social e o medo (por que não dizer?) nos entorpecia. 

Aline: O alcance do evento ultrapassou nossas expectativas, chegando a localidades do país, nunca antes pensadas e projetadas. Isso foi muito positivo! Entretanto, se esse alcance será político ou institucional é uma pergunta que fica. Se o evento conseguiu mudar um pouco do olhar para as crianças, o modo como cada participante se relaciona com elas, para mim isso é força política… E para onde vamos? Não consigo pensar em direitos das crianças e adolescentes, em ECA e tudo o mais, sem pensar nestas parcerias, na intersetorialidade, em políticas públicas realmente integradas, enfim, em um sistema político que se centre e se debruce, com financiamento garantido, para atender integralmente às crianças e os adolescentes de nosso país.

Joelma: Algumas vezes tenho a sensação que avançamos pouco, mas esses movimentos e encontros são espaços de resistência para que o retrocesso não se efetive. Mais do que nunca é tempo de estarmos juntos e juntas nos fortalecendo, adultos e crianças!

Ficamos com as reflexões de que o trabalho para a garantia de direitos é contínuo, e seguimos o indicativo dado por Luciana: “E para se falar de utopia nessas condições que pouco inspiram esperança, é preciso ir ao nível micro e se aproximar desses sujeitos, escutar e aprender com as crianças as diferentes formas com que estão ressignificando isso tudo, dentro de suas realidades que são múltiplas, territorialmente, socialmente, culturalmente”. 

Fica aqui nosso agradecimento especial à Luciana, à Aline e à Joelma por contribuírem com questões e reflexões tão emergentes nestes tempos sombrios. Nossa luta é cotidiana e coletiva!

 

1Túlio Campos – Professor de Educação Física do Centro Pedagógico da UFMG, Doutor em Educação e membro do Coletivo Geral Infâncias. E-mail: tulio.camposcp@gmail.com


Imagem de destaque: Mariana Cabral Soares – Ilustração utilizada na divulgação do evento “Seminário 30 anos do ECA – Entre Ficção e Ação

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