Tempo e Sentido: entre Sêneca e Elzéard Bouffier
Rosa Luizari
Sêneca, em A Brevidade da Vida, nos provoca ao afirmar que a vida não é curta — nós é que a desperdiçamos. Segundo ele, ocupados com vaidades, ambições e distrações, deixamos de viver plenamente. Do outro lado, temos Elzéard Bouffier, o protagonista silencioso e profundo de O Homem que Plantava Árvores, que vive uma vida simples, solitária e aparentemente “invisível” — mas repleta de sentido. Ao plantar árvores todos os dias, ele transforma radicalmente uma região inteira da França, refloresta tudo com disciplina, sem esperar recompensa. Ele vive a ideia de que o tempo, quando bem aproveitado, gera resultados. Na obra de Sêneca, encontramos um tratado filosófico estoico que confronta as angústias da existência humana frente à ilusão do tempo abundante. Para este filósofo, a maioria das pessoas vive como se fosse imortal: adia sonhos, negligencia afetos e consume os dias em atividades que não edificam o espírito.
Em A Brevidade da Vida há um trecho em que Sêneca comunica suas ideias de forma a levar-nos a compreender que existe quem se preocupa mais com os próprios cabelos do que com a situação política do país onde vive. Muitas vezes, parece mais fácil admitir nossa inaptidão em discutir os rumos de um país ou de sua economia do que em realizar atividades outras que não exigem posicionamento e contribuição efetiva para se fazer mudanças. O tempo não vivido de forma plena é, então, um desperdício. A liberdade e a serenidade estão reservadas àqueles que sabem habitar o presente com propósito. No livro O Homem que Plantava Árvores, Elzéard Bouffier encarna, de forma concreta e simbólica, esse ideal estoico de vida significativa. Ao fazer de sua existência uma prática cotidiana de cuidado com o mundo, ele transforma o tempo em ferramenta de criação. Sua tarefa é silenciosa e constante.
Bouffier não busca fama nem glória; ao contrário, atua com a naturalidade de quem compreende o valor do gesto simples e da repetição paciente. A região devastada pela guerra e pela aridez se torna, graças a este homem, um lugar de vida e renascimento. O que Sêneca chama de “viver para si”, Elzéard realiza através do gesto voltado para o outro [não um outro específico, mas a Humanidade, a natureza, o tempo futuro]. Seu anonimato reforça a dimensão universal de seu legado. A escolha do protagonista de Jean Giono também nos leva a refletir sobre o sentido da educação e transmissão de valores. Elzéard educa pelo exemplo. Sem palavras, sem discursos, ele nos ensina que cada ato, por menor que pareça, tem o poder de mudar paisagens externas e internas.
A floresta que nasce de suas mãos não é apenas vegetação, mas uma forma de ensinar à Humanidade o que é resistência, cuidado e esperança. Sêneca, por sua vez, valoriza a vida contemplativa e filosófica como caminho de sabedoria. Para ele, aqueles que dedicam seu tempo à filosofia vivem de forma plena, pois desenvolvem a consciência de si e a compreensão da natureza e essas coisas alcançamos senão por meio da filosofia. Isso ecoa em Elzéard, cuja vida pode ser lida como uma meditação ativa: plantar árvores como quem escreve versos, como quem reza. O trabalho manual torna-se um propósito de vida, uma filosofia vivida com as mãos. Ambos os autores, Sêneca e Giono, portanto, nos lembram que o tempo é finito, mas pode ser infinito em sentido. O que diferencia uma vida desperdiçada de uma vida plena é a maneira como escolhemos habitar nossos dias.
A personagem Elzéard Bouffier mostra que não precisamos de fama ou grandes conquistas para deixar uma marca profunda no mundo. Sêneca afirma que, ao nos libertarmos das ilusões da vida agitada, ganhamos o tempo que julgávamos não ter. Ao final, o que liga os dois textos é uma pergunta essencial: como estamos usando o nosso tempo? A resposta, talvez, esteja no silêncio entre uma semente plantada e a sombra que ela um dia produzirá. Vivemos melhor quando escolhemos com o que e com quem gastar nossas horas. A verdadeira liberdade é poder dizer: minha vida foi bem vivida porque foi cheia de Sentido — ainda que silenciosa, ainda que invisível, como a de um homem que plantava árvores.
Referências
GIONO, Jean. O Homem que Plantava Árvores. Tradução de Cecília Ciscato e Samuel Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2019.
SÊNECA, Lucius Aneo. Da brevidade da vida. LM Pockets, 2006.