Walter Benjamin e a infância: contribuições para a educação infantil – exclusivo

Sandro Vinicius Sales dos Santos

Meu objetivo com este texto é apresentar algumas contribuições para professores e pesquisadores da área da educação infantil tendo como eixo norteador a teoria crítica da cultura e da modernidade de Walter Benjamin.

Walter Benjamin nasceu em Berlim em 1892. Originário de abastada família judaica de grandes comerciantes, teve uma educação opulenta e culta. Graduado em filosofia, doutorou-se em 1919 com a tese O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão. Tornou-se um dos pilares da escola de Frankfurt, mas dela posteriormente se afastou, após uma maior aproximação com o materialismo dialético de Marx. Sofreu os horrores do nazismo, sendo exilado da Alemanha, abrigando-se em países como Dinamarca, França e Espanha onde suicidou em 1940 devido ao avanço das tropas nazistas, após tentativa frustrada de refugiar-se nos Estados Unidos.

Uma das formas de se compreender a riqueza da teoria benjaminiana consiste em perceber a diversidade de formas literárias que compõem sua obra: textos ensaísticos, monográficos, aforismos, críticas, resenhas e cartas, para citar apenas algumas formas textuais presentes na escrita desse autor. Outra riqueza de expressão de sua obra são as bases epistemológicas de seus pensamentos. Trata-se de um filósofo de extensa capacidade reflexiva e pouco (ou nada) ortodoxo, um marxista com densa inspiração humanista, que apreciava a ponderação teológica.  

Benjamin, nos vários textos nos quais versou sobre as crianças e a infância, teve o cuidado de não as tomar de maneira romantizada, referindo-se a elas como seres envolvidos pelas questões culturais, sociais e históricas de seu tempo.  No caso da educação das crianças, Benjamin aponta uma consonância com o discurso educacional contemporâneo, postulando que as crianças ensinam e educam (numa relação dialética e dialógica) os atentos educadores. E mais, a criança deve ter o direito, principalmente quando inserida em contextos educacionais, de viver a plenitude de sua infância, pois a pedagogia deve garantir às crianças a realização de sua infância.

Walter Benjamin defende que o mundo da percepção infantil está marcado, por toda parte, pelos vestígios da geração mais velha, com os quais a criança se defronta. O autor advoga ainda que as crianças elaboram uma forma simbólica de relação com o mundo que lhes é própria, embora em relação direta com a cultura adulta. E desse ponto de vista, Benjamin defende que as crianças formam seu próprio mundo de coisas, mundo pequeno inserido em um mundo maior. Isso pressupõe que entre si, brincando e nas diversas formas de relações com seus pares, as crianças criam para si um pequeno  mundo cultural próprio. Mundo esse produzido num fecundo diálogo pelo qual elas garimpam, no amplo mundo sociocultural dos adultos, não apenas aspectos a serem reproduzidos, mas oferecendo-nos inovadoras formas ativas, genuínas e interpretativas com as quais percebem e recriam as relações sociais e a cultura. Ou seja, as crianças se sentem convidadas por vários objetos e demais aspectos do mundo cultural, sem dependerem ou solicitarem qualquer autorização para se relacionarem com eles.  Desse modo, muitas vezes aquilo que os adultos preparam – julgando ser mais adequados a elas – é o que menos lhe desperta interesse.

Walter Benjamin (1892-1940)

Pensar que as crianças edificam um mundo pequeno enraizado em um mundo maior pressupõe admitir a competência social das crianças e não considerá-las como seres incompletos e inacabados, nem tampouco como um devir, um vir a ser no futuro. Isso implica na desconstrução e na reconstrução das relações sociais entre adultos e crianças levando à urgência de construção de relações mais atentas às capacidades e potencialidades das crianças que cotidianamente convivem conosco em instituições de cuidado e educação.

Pressupõe também que, se reconhecemos que as crianças constroem um mundo cultural que lhes é próprio, num fecundo diálogo com a cultura e a sociedade adultas, as práticas (tanto pedagógicas quanto de pesquisa) devem, pelo menos, levar em consideração o ponto de vista infantil. Esse empreendimento demanda a desconstrução de práticas planejadas para as crianças e a emergência de práticas das próprias crianças ou, pelo menos, construídas com a participação dos/as pequenos/as. Ou seja, é preciso que o adulto deixe as crianças criarem, no sentido lato da palavra, assumindo-se, enquanto sujeito de maior plenitude em termos de experiências culturais, o estatuto de mediador e ampliador dessas experiências.

Ao considerarmos as distinções presentes nas experiências infantis – que as distinguem daquelas vividas pelos adultos, em função de suas especificidades (da repetição, da continuidade, da narratividade verbal e corporal dos/as pequenos/as) – caminhamos não só ao encontro do mundo da percepção infantil, mas também, construímos um olhar pautado na alteridade da infância, entendendo que as crianças possuem um modo diferente – composto por um misto de complexidade e sutileza – de atribuir sentidos ao mundo que as circunda. Mais do que isso, possibilita uma melhor compreensão dos seus modos de ser e estar no mundo, o que remete novamente à produção de novas práticas pedagógicas ampliadoras da experiência infantil.

Em suma, o estudo e a leitura, minuciosa e atenta, da obra benjaminiana possibilita a construção de práticas pedagógicas emancipadoras da infância com que nos relacionamos cotidianamente em espaços públicos de educação e cuidado. Possibilita em síntese, a construção de um espaço diferenciado para a infância contemporânea, que possibilite às crianças experiências reais de vida, na descoberta do mundo, de si próprias e do outro.  Um espaço que lhe oportunize a exploração do mundo, em vivências reais, de ação e reflexão, de crescimento e desenvolvimento.

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