“Você não sabe de muitas coisas sobre mim”

Uma leitura da série Nada Ortodoxa

Alexandra Lima da Silva

Uma jovem mulher vê o mundo exterior desde sua janela, dentro de casa.  Esta é a cena inicial da mini-web série Nada ortodoxa (Unorthodox, Netflix, 2020).  Inspirada na autobiografia “Unorthodox: The Scandalous Rejection of My Hasidic Roots”, de Deborah Feldman, ao longo de quatro episódios a série desenvolve os conflitos de uma jovem em relação às pressões da comunidade de judeus ultra-ortodoxos de Williamsburg, no Brooklyn, New York.

Criada pela avó paterna e por um pai alcoólatra, e tendo sido vítima de alienação parental em relação à figura da mãe, Esty vê o casamento arranjado como um caminho para ser aceita pela comunidade. Ela idealizava o casamento e acreditava que, como uma mulher casada, seria feliz. Mas não foi o que aconteceu. Após se sentir incompreendida pelo marido, que a culpava pelo fato de o casal ainda não ter tido filhos, Esty decide fugir para Berlim e lá começar uma nova vida. O marido do casamento arranjado era um estranho para ela, pois ele não sabia nada sobre ela. E nem ela mesma sabia sobre si. Precisava se conectar consigo mesma e se descobrir mulher.

A jovem judia da comunidade de Williamsburg foi educada para casar e ter filhos. Não recebeu instrução formal ou formação para o mercado de trabalho. Clandestinamente, a menina teve aulas de piano. E só.

Ela foge para Berlim sem carregar bagagem. Apenas leva uma foto da avó, o endereço da mãe, o passaporte alemão, pouco dinheiro e um presente da professora de piano que a ajudou a fugir. O presente era uma bússola.

Na estrada e longe da comunidade, Esty percebe que pode viver outras experiências. Ela faz amigos. Descobre que o sexo pode ser prazeroso. Ela sente-se bem com seu corte de cabelo e com sua aparência e feminilidade. Esty percebe que o presente da professora de piano era o recado: ela deveria explorar o mundo. Mas não apenas o mundo exterior. Mas seu próprio corpo. Seus sonhos, desejos e vontades de uma mulher que se descobriu livre. E ela descobriu que sabia cantar.

E para aquela antiga casa ela jamais voltou.

Referências:

Nada Ortodoxa. Web série. Netflix, 2020.

FELDMAN, Deborah. Unorthodox: The Scandalous Rejection of My Hasidic Roots. New York: Simon & Schuster, 2012.


Imagem de destaque: Netflix/Reprodução

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