Viva e deixe viver: leituras sobre O Poço

Alexandra Lima da Silva

Um banquete.

Uma prisão vertical.

Duas pessoas dividem uma cela.

O banquete é distribuído em uma espécie de plataforma, que se desloca rapidamente em cada andar.

Quanto mais baixo o nível, menos comida chega. As pessoas do nível de baixo têm pouco tempo para se alimentar das sobras daqueles que estão no nível de cima. É neste cenário perturbador que se desenvolve a trama do filme O poço, uma produção original da Netflix. A sobrevivência no Poço é marcada pela instabilidade, pois a cada mês e de forma aleatória, muda-se de cela: para uma pior, para uma melhor ou para uma intermediária.

A ilusão de ascensão e de que possuem algum “privilégio” não faz com que as pessoas percebam que elas estão literalmente, no mesmo “poço” em que a angústia leva a medidas extremas e violentas.  A falta de consciência de que estamos todos conectados e somos interdependentes produz a fome e a morte. As pessoas passam acreditar que a sobrevivência está em comer para não ser comido. Matar para não ser morto. Pisar para não ser pisado. Tal lógica destrutiva é colocada em xeque pelo único homem que escolhe levar um livro para a prisão. É este personagem que percebe que o fim do ciclo de fome e violência só pode ser interrompido de uma maneira: pelo sacrifício e pela distribuição da comida para os que estão há mais tempo com fome.

É preciso descer até os que estão nos andares mais baixos para enxergar a luz.

Em tempos de insensibilidade em relação à vida dos mais vulneráveis face a um vírus que pode ser letal e a corrida aos mercados para estocar comida, deixando que os que não podem comprar fiquem sem alimentos, é preciso voltar ao básico.

É preciso lembrar que sim, estamos todos conectados.

É preciso dizer que a falta de consciência coletiva pode levar todos nós, de diferentes credos, raças e classes ao fundo de um poço escuro que é a perda da nossa humanidade.

Viver e deixar viver são verbos urgentes.


Para saber mais:

O Poço. 2019. Filme, Netflix, 1h 34min.

PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.

Imagem de destaque: Netiflix/Divulgação

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