Vítimas da suposição

Ivane Laurete Perotti

 

Uma professora estagiária entrou na sala de aula do 6º ano do Ensino Fundamental II carregando vontades. Ainda não saída do curso de Letras, trazia na bagagem em formação uma ideia pronta de escola pública: um espaço no qual os aprendentes estão ávidos por novidades. Preparou a sua aula nos moldes da Gramática Interativa: produção de leitura, espaço para a troca de ideias, montagem de um quadro de interpretações, releitura, discussão e… haja língua para tantas ideias. Alunos sentados em “O”.

–Ahh! Nem! Que saco isso de sentar no chão!

–É um modo de estarmos mais próximos para conversar!

–Qui conversá, o quê, psora! Passa as coisa no quadro que nós copia e pronto!

–Se copiá, né? – era a voz aguda de um pré-adolescente no comando da algazarra.

–Vamos experimentar fazer desta forma? Vocês não gostam?

–Nós não gosta de nada, psora!

–Menos ainda da escola, né!?

 

Entre as gargalhadas que se generalizaram, a professora quase professora já professora procurou por olhares de cumplicidade. Tenha compaixão, “senhor dos estagiários”. Eu preciso mostrar para eles que sei fazer o que estou fazendo! Não sei?

A escola é um espaço de muitas aprendizagens. É importante para cada um de nós.

–Vai nessa, profe!

–Não entendo… o que fazem aqui, então!?

–Nós zoa, ora!

 

Antes que alguém escrevesse no quadro game over, a estagiária tratou de insistir na formação de um quase círculo. Pedagogicamente, apresentou o texto narrativo: Quem matou o milionário? (adaptado de uma crônica de Leon Eliachar). Sem dúvidas, um excelente texto com indicação para o 6º ciclo: provocativo, dentro da estrutura textual em estudo pela professora regente, interessante do ponto de vista da história narrada…

–Fui eu, psô!

–Vamos ler novamente?

–Ele mata aula, pró!

–Ele mata no peito, psora!

–Ele mata as psora, profe!

–Ele

–Tecnicamente, é o que se está fazendo agora. Então, quem comenta o que entendeu?

 

O chão da velha sala rangeu! Ofegou! Agonizou! Pelas janelas abertas saltou um suspiro demorado. Não era da professora, estagiária quase profe, era sim, de um pulmão que aguardava aquele momento. Um aprendente queria comentar a leitura. Era o gancho, era a deixa! Ai! “Senhor dos estagiários”, deixe-me sair daqui com alguma coisa para contar ao meu supervisor!

–Eu… eu queria comentar que…

–Ih!!! Lá vem, de novo!?- foi o coro desairoso.

–Todos podem e devem falar, mas cada qual em sua vez. Vamos ouvir…

Entre os sinais de enfado e as vozes que se enrodilhavam, a voz espremida disse

–Gostei dessa história, psora! Mas não consegui entender quem matou e nem quem morreu…

Bingo! Alguém lera o texto, ouvira a leitura, traduzira a história e ainda queria conversar?! Estava salva!

–Foi o Leão, cara! É o nome do assassino: Leão que lia chás. Sacô?

A professora estreante sacou. Sua formação supunha prepará-la para os conteúdos em Língua Portuguesa do Brasil, mas não a preparara para os embates corpo a corpo com tantos heróis da língua.

–Heróis? Essa não entendi!

–Simples, finalizou a professora plena: pergunte ao Leão que lia chás! Ele… lia!!!

Pela janela saltavam dálias, gérberas e outras flores até então ausentes. De suposição em suposição, o exercício da leitura propunha autenticidade.

–Prazer, dona escola!


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