Vai Passar – Chico Buarque e o atual cenário político brasileiro – exclusivo

Sandro Vinicius Sales dos Santos
Joaquim Ramos

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações

(HOLANDA, Chico Buarque de,1986)

É (quase) desnecessário fazer qualquer alusão a Chico Buarque de Holanda quando a trama se entremeia aos ditames da repressão e da ditadura, ou da perda de direitos políticos – seja de quem for. Melhor que ninguém, esse Brasileiro (com “B” maiúsculo) – tão amado por gerações inteiras de moças e rapazes – não se furta em contribuir com a construção da justiça social, do respeito, da equidade, enfim, da democracia em nosso país. De alguma maneira, ele está sempre presente; ora brigando com a mocidade universitária em pleno centro do Rio de Janeiro, na defesa de um governo democrático e popular, ora dando sua contribuição a outros jovens que se juntam em São Paulo contra a proposta de reorganização escolar de um governo autoritário. Ele não se cala e, como ninguém, usa a voz para cantar e encantar. Algumas de suas canções carregam a dose certa da acidez que o momento exige. Enquanto encanta uns, com sua voz melodiosa, Chico é capaz de ajudar a “destronar” alguns tipos covardes de regimes e de homens.

Desta maneira, é impressionante a atualidade de algumas letras desse poeta do povo. Inúmeras vezes suas canções são temas de grandes atos. Quando nossas vozes já não apresentam mais o alcance necessário, por estarem esgarçadas pela luta diária contra a opressão, convocamos seus versos para nos auxiliar na compreensão do atual cenário da crise política brasileira.

A canção “Vai passar” – conforme destacada na epígrafe deste texto – de saída, já expressa um sentimento e uma sensação de que as coisas ruins não são eternas. Uma hora, tudo passa. Passam também os “homens” ruins, aqueles que contribuem, de maneira deliberada, para emplacar seus planos que esfacelam vidas humanas. Em contrapartida, do outro lado, há também homens como o próprio Chico Buarque que não se curvam aos ditames, tantas vezes implacáveis, dos que teimam em tratar com descaso as vidas menos válidas – para tomar de empréstimo um termo de Judith Butler (2001). Esses, são homens dotados de esperança que acreditam em dias melhores. Para eles, com notável poesia e beleza, canções tão atuais como “Vai Passar” têm o sabor adocicado de esperança. Por isso temos a certeza de que vai passar… há de passar!

Na atualidade, vivemos, de fato, um tempo sombrio, uma página infeliz de nossa história que traz consigo ares de não querer ser virada tão cedo. Uma crise que veio com força total e serviu para justificar o atropelo em nossa democracia – como insistem os analistas políticos – tão jovem ainda. Entretanto, na nossa fé e na nossa luta, fazemos nossas preces e, enfrentando o momento presente, torcemos para que se torne logo passagem desbotada na memória. Não bastasse o contexto de instauração do golpe – o poder tomado de maneira abrupta por inúmeros corruptos declarados – estamos presenciando, também de maneira antecipada por um governo que mal começou, o anúncio de uma avalanche de retirada dos direitos das chamadas minorias.

Para comungar com a desgraça coletiva, poucos dias após a fatídica votação na Câmara dos Deputados, que iniciou o processo de cassação do mandato da Presidenta Dilma Rousseff, uma revista descomprometida com a nação, trouxe a imagem da futura primeira dama (Marcela Temer) e intitulou a matéria de capa: “Bela, Recatada e do Lar”, em uma convicta referência à subserviência feminina e anunciando como esse (des)governo tratará as categorias ditas marginalizadas – à margem da cena política de nosso país – como se as mulheres ainda ocupassem, em pleno século XXI e após inúmeras conquistas do movimento feminista, esse lugar servil. Desta maneira, também de modo previsível, a matéria desta revista – capciosa, diga-se de passagem – causou revolta em inúmeros segmentos da sociedade brasileira.

Após consagrar a derrota da democracia no Senado Federal, em um espantoso circo de horrores, o anúncio oficial da equipe ministerial do novo governo interino deixou, novamente, a nação estarrecida. Nenhuma mulher, nenhum negro, nenhum índio, nenhuma pessoa que compõe explicitamente a dita diversidade. Um ministério de homens brancos, de idade avançada, ricos, corruptos, sem votos e atrasados. Homens de duvidosa confiabilidade política. Muitos desses senhores, até dias antes, se diziam “aliados e comprometidos” com o outro governo – principalmente aqueles filiados ao partido do homem que usurpou o poder. No prenúncio musical desse momento recente da democracia brasileira escrito por Chico Buarque (em “Vai Passar”), essa aliança antagônica – que agora tenta, a todo custo, depor o governo eleito pelo voto direto – materializa a “ala dos barões famintos, o bloco dos napoleões retintos”. Neste quadro sombrio e triste, devastado pela falta de hombridade política, não deixa de ter razão novamente a letra da música de Chico Buarque ao afirmar que “a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”. O plano já estava arquitetado de maneira vil e desonesta, nos bastidores do Palácio do Jaburu – morada oficial do vice-presidente da república. Mas, esperançosos que somos, temos certeza de que o nosso Chico Buarque está correto: vai Passar… tem que passar!

Não bastassem tantas atrocidades, o golpe planejado, anunciado e executado contra uma Presidenta eleita democraticamente, de forma previsível, busca ainda acertar o peito de inúmeras outras minorias que nos últimos treze anos se viram respeitadas em seus direitos pelas políticas públicas nacionais, tais como: trabalhadoras do sexo; empregadas domésticas e diaristas; milhares de famílias assistidas pelos diversos programas sociais de erradicação da pobreza tais como o “Bolsa Família” e o “Minha Casa Minha Vida”.

Apesar disso tudo, como arautos da esperança que somos, torcemos para que essas novas gerações que tiveram acesso ao ensino superior de qualidade e que ingressaram na universidade pública pela porta principal, juntamente com os movimentos sociais e com os milhões de indignados, possam contribuir para mudar essa “página infeliz da nossa história”. Não podemos nos esquecer que essa inserção da juventude na universidade se deu por dois processos distintos, mas em certo sentido, inter-relacionados: via políticas públicas de acesso e de permanência (que se materializam na figura de programas como ENEM, PROUNI, FIES, dentre outros) e por meio da expansão da Universidade Pública de nosso país. Esperamos que essas gerações que adentraram as Instituições Federais de Ensino Superior em tempos recentes colaborem, sobremaneira, para que os outros jovens que virão tenham as mesmas oportunidades que, ora, nesse prenúncio de coisa ruim e de negação de direitos, estão sendo anunciadas por esse governo ilegítimo. Que seja, pois como diz nosso Chico,“passagem desbotada na memória das nossas novas gerações”.

O compromisso de todos nós precisa ser um só: “vamos derrotá-los!” É nisso que cremos! Essa é a nossa profissão de fé! Acreditamos, em suma, que essa“ofegante epidemia”; esse verdadeiro “carnaval” que virou o cenário político brasileiro… “Vai passar”! Ah, tem que passar!

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