Universidades e espaço público no Brasil: tensões e conexões – II – exclusivo

Marcus Vinicius Corrêa Carvalho 

Continuação do texto elaborado para a mesa redonda de mesmo nome realizada no Seminário “Educação no espaço público: a comunicação pública da pesquisa em educação no Brasil”, FaE-UFMG.

Uma vez que educação e saber dissociam-se, a tarefa de construção e/ou transmissão de conhecimentos tonalizados pelas experiências históricas e sociais, e, circunstanciados pelas emergências políticas e culturais perde valor, dando lugar à promoção de treinamento técnico de indivíduos aptos à produção competente segundo critérios alheios à formação e à pesquisa. Questões educacionais, culturais e científicas, próprias ao âmbito da formação humana, reduzem-se à lógica dos investimentos e do consumo. Uma vez que a universidade adquire função econômica proeminente em relação às suas funções políticas, declina – aparentemente de modo paradoxal – sua prerrogativa em oferecer à classe média as vantagens materiais e de prestígio social, como se evidencia nos índices de evasão, desistência e desemprego.

Entretanto, não é tão mecânica e funcional a interface econômica e política das universidades brasileiras. A universidade, que visava à conformação de quadros de elites intelectuais dirigentes para a configuração e a condução do espaço público como espaço de opiniões, de compensação social das desigualdades pelas escolas, da racionalização da vida em sociedade pela difusão cultural, tem tido seu definhamento interpretado como crise da própria universidade. Todavia, na medida em que essa variante liberal e civilizatória da universidade agoniza, parte das atribuições do ensino médio profissionalizante, por motivações ideológicas tanto quanto econômicas, é transferida para as universidades, as quais vão oferecendo um treinamento prévio generalista que deve ser completado e especializado pelas empresas e/ou pelo mercado de trabalho. A especialização universitária, com isso, pode ser simplificada e curta, pois sua complementação funcional pode ser implementada em algumas horas ou dias. Pouco a pouco, as universidades vão aplicando modelos organizacionais de empresas, tendo como fim o rendimento, como meio a burocracia e como condição a regência do mercado.

No interior das universidades, o impacto dessa organização traduz-se na clivagem entre serviços administrativos, atividades docentes e produção de pesquisa, impondo fragmentação crescente ao trabalho pedagógico por determinação extrínseca do rendimento e da eficácia. A administração burocrática unifica a separação que se impõe entre tomada de decisões e execução de tarefas, caracterizando a hierarquia funcional de cargos, de salários e de autoridade. A separação entre dirigentes universitários, corpo docente, corpo discente e servidores técnico-administrativos mascara a tutela exercida sobre o corpo universitário pelos dirigentes que se desligam, efetivamente, da coletividade universitária, cujo atributo é, pois, a execução passiva de decisões verticalizadas e heteronômicas.

A dissociação entre educação e saber conjumina com a redução do saber ao conhecimento, cujo atributo é, por consequência nesse contexto, ignorar aquilo que é próprio ao pensamento: sua irredutibilidade à quantificação e à administração. A sedução exercida pela racionalidade administrativa e pela eficácia quantitativa cinde tomada de decisões, ensino e pesquisa. A ideia de modernização fascina, estancando o ritmo próprio da dinâmica de construção do saber e do pensamento, deixando as universidades reféns da função de representação controlada do conhecer em detrimento da tarefa de pensar livremente. Rendimento, produtividade, eficácia exprimem a semântica da modernização como razão instrumental e credibilizam a atuação acadêmica quando tomadas como atributos de seriedade intelectual. Por outro lado, a rejeição e a aversão simplista à objetividade do conhecimento ou à sistematização metódica de ideias não parecem, como antípodas, menos favoráveis ao processo de infantilização e desqualificação dos agentes do corpo universitário frente às autoridades dirigentes heteronômicas.

O fortalecimento dos fóruns pluralistas de debate e de tomada de decisões nas universidades, a divulgação irrestrita e o controle plural sobre os orçamentos e dotações de verbas e fomentos, além da criticidade, da criatividade, da emancipação intelectual como critérios qualitativos mais que quantitativos de avaliação acadêmica, favoreceriam, quiçá, o combate e a restrição da burocracia administrativa, da lógica economicista do financiamento e do estreitamento funcional da cultura universitária. Afinal, parece decisivo levar a sério a ideia de que a cisão entre direção da tomada de decisões e execução funcional de tarefas impõe um obstáculo para a defesa da pesquisa e do ensino como atividades integradas.

(Continua).

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