Universidade, Esfera Pública (Ciência e mal-estar nas Humanidades II)

Universidade, Esfera Pública (Ciência e mal-estar nas Humanidades II)

Alexandre Fernandez Vaz

Em suas Confissões , o Professor Darcy Ribeiro diz que “Toda história da educação superior (…) se caracteriza pela tacanhez.” Generalizações à parte, o homem de tantas vidas vividas intensamente tem lá sua razão. Pouco ousada, muito fechada em si mesma, refém do mercado e quase indiferente a um projeto de nação, ela não tem exercido seu potencial.

A fragilidade de uma esfera pública entre nós tem muito a ver com esse acanhamento da Universidade. Ela é simultaneamente fruto e uma das causas desse processo, com sua tradição encastelada e aristocrática que se reflete, entre outras, na dificuldade em aceitar que a sociedade debata suas questões, que diga o que pensa, por exemplo, sobre suas decisões internas.

O fato de entendermos que apenas nós, os universitários, podemos falar da Universidade, é bastante suspeito. Temos medo da imprensa, do Ministério Público, das forças de segurança. Todos esses atores sociais merecem críticas e elogios por sua atuação, todos eles devem estar sob o controle da sociedade. Por que a Universidade não deveria? Também temos medo de avaliações, sejam elas internas ou, sobretudo, externas. Autonomia universitária não significa, no entanto, isolamento ou manutenção de uma Corte com seus respectivos condados, baronatos, ducados.

Considero que há pelo menos dois males que dificultam muito que a Universidade se relacione bem com a esfera pública, que possa fomentá-la não apenas no sentido de construir um espaço democrático, mas também republicano. Um deles é o populismo, forma degradada de construção da política, se esta é a experiência das ações justificadas perante às diferenças, lugar da palavra e não da pura voz. Quando apostamos no “povo”, fazemos encolher o público, porque o “povo” não representa o que é comum, mas a parte que se relaciona organicamente entre si. O outro é a tecnocracia, a pura forma administrativa, quando o meio torna-se fim e justificativa de si.

Comento brevemente uma face da dimensão tecnocrática que a Universidade brasileira assume, muito presente no que chamamos de sistema de ciência e tecnologia e em seu território privilegiado de ação, a pós-graduação. Carrego um pouco nas tintas para oferecer, em poucas linhas, cor ao argumento. O “sistema”, não há dúvidas, é autocentrado, fechado e retroalimentador. Bolsistas e pesquisadores de todos os níveis alimentam a pós-graduação, que fornece artigos para periódicos, que melhora o currículo dos bolsistas e pesquisadores que passam a ser mais bem financiados e trazem recursos para os programas em que estão alocados. Pouco diálogo com a sociedade extrauniversitária é feito. Em grande medida, o sentido do sistema é manter-se como tal.  Muitas vezes, com suas políticas de financiamento e avaliação, acaba por ser antes um ordenador de condutas que um motor para a produção de longo alcance, nova para uma área ou campo de conhecimento. Constantemente o “sistema” premia de forma mais imediata o medíocre e desvaloriza o esforço de longo prazo. Trata-se de uma de suas mais terríveis distorções.

As Humanidades têm um papel importante tanto na manutenção quanto na superação dessa ordem de coisas. Para que possam atuar no segundo sentido, é necessário que avancem com o que têm de melhor: rigor no pensamento, autocrítica metodológica, diálogo consistente para dentro e para fora de si. Ou seja, que se mantenham em sua tradição, mesmo que para supera-la. 

Isso não é fácil, na medida em que as Humanidades são parte do “sistema”. Crio um hipotético exemplo. Um historiador não terá uma opinião sobre o funcionamento de uma mitocôndria, simplesmente porque não se trata de operar na doxa quando temos um problema de episteme. Mas um biólogo poderá ter uma opinião sobre a presença de jovens das camadas médias em uma manifestação a favor do passe livre porque esta é uma questão política e, portanto, do âmbito da doxa, da diferença, da pluralidade, do consenso eventualmente precário e construído na tensão da diferença. É um problema da política, cuja linguagem deve ser comum, o que é diferente do acontece mundo da ciência, em que a linguagem é específica. Mas um espaço público não se constrói apenas com doxa e política, mas com episteme e com a ampliação e popularização de sua linguagem. Então, quando temos um fenômeno social, não se trata mais de expressar opinião, mas da analítica sociológica. Por isso, e não só por isso, a construção de uma esfera pública exige a presença das Humanidades, desde que elas estejam dispostas ao risco de saírem um pouco da acomodação universitária. Suponho que todos mais ou menos saibamos o que isso significa.

Belo Horizonte, maio de 2015.

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