Um relato sobre as “oportunidades” do trabalho infantil

Alexandra Lima da Silva*

A primeira oportunidade para desistir de estudar eu tive em 1990. Depois que minha mãe decidiu se separar do “seu D.”, um padrasto opressor, eu senti uma grande alegria por nos libertamos daquele tirano. Fomos morar num lugar esquisito, perto da BR 101 e distante de tudo, no município de Itaboraí/RJ. A ida para a escola se tornou um caminho bastante perigoso para mim e minha irmã. Eu tinha 9 anos. Chegávamos a noite em casa. A estrada não é um lugar seguro para duas meninas negras. Minha mãe estava tendo muita dificuldade de sustentar a casa sozinha. Precisava pagar o aluguel, comprar comida. Surgiu uma “oportunidade” numa fábrica de cerâmica. O salário era tão baixo que precisamos ir ajudar minha mãe. E lá fomos nós. Meu irmão, 4 anos mais velho que eu, era bastante produtivo. Eu e minha irmã de 11 anos, tentávamos ajudar. E o trabalho na cerâmica foi nos consumindo. Eu ficava feliz com o fato de podermos comer a quentinha da Vacaria do Sul.

E assim largamos a escola. Evadimos. Senti um alívio de não precisar mais enfrentar os perigos de chegar em casa a noite. Eu não entendia que o trabalho na cerâmica era muito mais nocivo do que o caminho da escola. Me lembro que durante a Copa do Mundo de 1990, ainda estávamos naquele lugar. Já não era mais tão divertido assim. Era pesado, o trabalho de lixar as peças machucava minhas mãos. Eu sentia falta da escola já.

Foi apenas no segundo semestre de 1990 que nos mudamos para o bairro de Paciência, zona oeste do Rio de Janeiro. Fomos matriculadas numa escola municipal que tinha uma merenda muito gostosa. Eu me lembro que a professora fazia uma fila indiana para tomar a tabuada. Eu sentava no final da sala na esperança de ser sempre a última da sabatina. Não sei como, mas conseguimos passar da terceira série, no longo ano que não terminava. Ainda em 1990, nos mudamos para o bairro de Itaúna, em São Gonçalo. Fomos estudar num CIEP de horário integral do qual eu não lembro o nome. Outras “oportunidades” nos esperavam.


*38 anos, doutora em Educação, Professora da Faculdade de Educação da UERJ.

Champaign, IL,30/05/2019

Imagem de destaque: Photo by Timon Studler on Unsplash

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