Um poder legislativo sem ideologia nem convicção – exclusivo

Dalvit Greiner

Meu irmão se liga
No que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a polícia lhe prender
(Bezerra da Silva, 1992)

66 dias de usurpação de um governo eleito pelo povo

A Democracia é mesmo uma coisa maravilhosa. Considero o processo eleitoral a melhor pesquisa cultural que uma sociedade pode oferecer a quem quiser analisá-la. E este é um papel privilegiado que tem a Universidade, partindo do princípio, nem sempre verdadeiro, que aqui está a elite pensante dessa mesma sociedade que se dá como objeto de reflexão. Mas, gostaria de ouvir outras instituições. Esperava eu o resultado do segundo turno das eleições municipais para tentar entender o que se passa na sociedade belorizontina. Fica, porém, uma advertência: não devemos nunca condenar o voto dado pelo eleitor. Precisamos entender o voto, as tendências e a sociedade. Para agir.

Comecemos pelo lado que considero positivo: a eleição de quatro mulheres vereadoras. Sai uma totalmente alinhada com a direita e entram duas mulheres de esquerda, Áurea Carolina e Cida Falabella, ambas do PSOL. Isso é muito bom, porém significa uma luta bastante renhida contra 37 machos num espaço que deveria ser, no mínimo, meio a meio. A desigualdade manifesta pela nossa sociedade deve ser entendida como um medo das mulheres que ainda não se sentem suficientemente empoderadas para eleger mais mulheres? Ou a legislação eleitoral, machista, expulsa as mulheres da política? Tanto um quanto outro item precisa de nosso trabalho para que mudem as mulheres que não votam em mulheres e a legislação que as impede de se candidatarem com tranquilidade.

Grosso modo, a conta que o Tribunal Regional Eleitoral faz é de 1.193.319 votos válidos divididos por 41 cadeiras, indicando que a cada 29.105 eleitores num partido determinaria uma cadeira na Câmara de Vereadores para aquele partido, elegendo os mais votados na legenda ou coligação. Ou seja, um vereador para se fazer sozinho precisaria de 29.000 votos, mas ao somar com aqueles recebidos pelo partido nos demais candidatos ocupa, merecidamente, a cadeira. Nada tão mal não fosse a dificuldade de se conseguir tal quantidade de votos.

O que me chamou a atenção: os votos na legenda, ou seja, em nenhum dos candidatos do partido, mas no partido. Isso significa, para mim, um voto ideológico muito qualificado. Demonstra que 8% dos eleitores sabem o que é o partido e a sua importância na mediação com o Estado. O número chegou a 95.141 votos o que significaria três vereadores. Claro que a conta não é assim tão direta: estes votos estão pulverizados nos partidos. Claro, também, que abstenções, brancos e nulos, 42,6% do total, demonstram a descrença geral que o eleitorado tem na política. Mostra que apenas metade da cidade elegeu todos os vereadores.

Assim, nossa vereadora mais votada tem uma brutal diferença de 14.000 votos para a sua companheira de partido. É a puxadora de votos. É a personificação do voto em detrimento do partido político pelo qual foi eleita. O eleitor acreditou nela e não no partido ao qual ela pertence. Então, nessa fórmula, o partido lança um puxador de voto, como já disse nessa seção, e lança o Zezinho do Açougue, o Baiano do Peixe São Geraldo, o Alair em Defesa dos Animais para amealhar aqueles votos do bairro. Então, porque não oficializar o voto distrital? Tais candidatos com baixa votação, em geral, não tem nenhuma influência no partido, não qualificam o partido porque não fazem política, fazem eleição. Os caciques do partido jogam com a vaidade desses pequenos candidatos e ganham os votos para si.

Considero positivo o voto nas mulheres. Considero positivo o voto nas legendas. Porém só consigo imaginar combate ideológico de verdade a partir das mulheres do PSOL, não dos demais vereadores. Mesmo as outras duas, mesmo aqueles de partidos como PT ou PCdoB (o machismo falará mais alto!). Não consigo prever uma discussão e um embate que provoque a diferença e marque, de fato, o campo político da esquerda em Belo Horizonte.

Olhar a composição da Câmara Municipal de Belo Horizonte lança-nos um prognóstico pessimista. Sim, piores dias virão. Quando olhamos a fragmentação da Câmara só nos resta concluir duas coisas: estamos sós, à esquerda. As mulheres estão mais sós, pois são mulheres e as de esquerda, mais solitárias ainda. Lutas em defesa das mulheres, mães, pobres, professoras, servidoras da saúde serão mais cruentas. Lutas contra movimentos antidemocráticos e excludentes serão muito difíceis, pois numa Câmara Municipal tão fragmentada partidariamente, mas unida à direita e à Bíblia, onde não existe nem ideologia política nem convicção partidária, será muito fácil comprar votos. É a lei do mercado: muita oferta, baixo preço!

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