Trabalho essencial

Dalvit Greiner

Em tempos de pandemia da Covid-19 temos ouvido o abre-fecha na discussão sobre o trabalho essencial. Trabalho essencial significa trabalhador essencial e, portanto, deveria ser aquele melhor remunerado e reconhecido pela sociedade como imprescindível. Daí não podemos ficar falando em trabalho essencial, mas sim em trabalhadores essenciais pois produzem produtos essenciais para a nossa vida.

Então é preciso perguntar: o que é um trabalhador essencial? E para responder precisamos fazer uma pequena lista respondendo à seguinte pergunta: o que é necessário para que eu fique vivo? Posso responder por isso antes, durante e depois da pandemia, mas todas as respostas, se levadas em sua radicalidade, serão uma só: precisamos beber, comer e nos abrigar. Isso nos garante em nossa biologia, animais que somos precisamos de água e comida como energia e abrigo para nossa proteção. Dessa forma estamos garantindo a sobrevivência do indivíduo. Para garantir a sobrevivência de todos, o essencial é a memória.

Então nosso primeiro trabalhador essencial é aquele que cuida da água. Antes, porém, devemos lembrar que a água é um bem global pelo qual devemos, todos nós, lutar diariamente. Temos água doce bastante para a humanidade em todo o mundo, apesar da distribuição desigual da mesma no planeta. Porém, é preciso busca-la, mesmo nos desertos. A água é tão importante que um provérbio árabe nos diz que podemos matar nosso inimigo, mas nunca negar-lhe água. Isso demonstra que negar água a alguém é um ato desumano. Temos, portanto que lutar pela socialização da água e proteger todos aqueles que trabalham com ela e por ela. Aqui, falamos daqueles que cuidam da terra por causa da água: aqueles que cuidam de mananciais, matas ciliares e esgotos.

A água não é apenas para beber. É também para produzir comida. A água deve estar disponível para as plantas e os animais que comemos. E eles gastam muita água. Aqueles que cuidam da nossa comida são outros dos trabalhadores essenciais de quem precisamos cuidar. Mas, não estamos falando de agronegócios – boi e soja – que estragam a terra e a água. Estamos falando daqueles trabalhadores que plantam aquilo que comemos diariamente: verduras, legumes, cereais e carnes. Uma alimentação que respeite a cultura local, que não seja industrializada e universal; uma alimentação rica em nutrientes e não comida sem sabor, empacotada. Por isso, o trabalhador essencial para a nossa sobrevivência de que estamos falando é aquele pequeno agricultor e criador de animais que cuida de um pequeno pedaço de terra. Para isso, além de lutar pela água que chega em nossa casa todos os dias devemos também lutar pela Reforma Agrária, pois é a pequena propriedade agrícola que põe comida em nossa mesa.

Para garantir nossa sobrevivência física precisamos também de um abrigo. Não fomos feitos para enfrentar a natureza como os demais animais. Precisamos de um lugar para preparar nosso alimento, para descansar, para nos proteger. Essa é a nossa casa: ela é tão necessária quanto o beber e o comer cotidianos. Assim, o trabalhador que a faz é tão essencial quanto aquele que cuida de nossa água e de nossa comida. Não faz sentido algum uma pessoa possuir duas ou mais casas: o que você faz com uma segunda casa se você precisa de apenas uma pra morar. No Brasil, apenas nos centros urbanos temos quase oito milhões de imóveis vazios e o mesmo número de famílias sem casa. São pessoas que necessitam de um abrigo para viverem tranquilos.

E, por fim, qual seria o trabalhador essencial além daqueles que cuidam da água, da comida e da casa. São as professoras e os professores justamente porque são aqueles que cuidam do futuro da humanidade. Todo professor ou professora é um guardião da memória coletiva da humanidade e sua tarefa essencial é projetar, lançar adiante, essa humanidade. Não precisa nem imaginar: basta pensarmos que o professor/a é aquele/a trabalhador/a que faz o outro trabalhador. Não apenas o outro trabalhador ou trabalhadora, mas o outro humano que temos diante de nós. Como guardiães da memória coletiva, os professores são essenciais para a humanidade.

As demais profissões são supérfluas? Sim e não. Elas não tem utilidade alguma, exceto numa sociedade capitalista. Basta ver nessa pandemia. O que fazem as outras profissões não tem valor algum nesse momento. Sei que estou sendo radical, mas é isso mesmo. As demais profissões que existem, são necessárias no mundo moderno. Algumas são consideradas essenciais no nosso mundo moderno uma vez que quando nascemos elas já estavam aí. E podem também desaparecer como muitas já desapareceram. Mas, num mundo de caos. Pense bem… Tais profissões não são essenciais para a vida humana. Outras não são supérfluas porque auxiliam aquelas primeiras, porém…

É claro que os trabalhadores da saúde são hoje lembrados por todos como essenciais. E são mesmo! Merecem nosso apoio, cuidado e homenagem nesse instante. Mas, pense que pessoas bem cuidadas são mais saudáveis e adoecem menos. Teríamos mais defesas nessa pandemia? Claro que não. Com uma doença incurável – ou de difícil cura – não dá para prever. São, portanto, essenciais na urgência.

Devemos pensar que todo e qualquer Estado em qualquer tempo e lugar do mundo deveria garantir – sim, é um dever – segurança hídrica, alimentar e habitacional e além disso garantir a escola, lugar do aprendizado da memória do mundo, das ciências e das técnicas que nos dão conforto. Garantir hospitais para nossos cuidados e curas. Da nossa parte, lutar pela Água, pela Reforma Agrária, pela Reforma Urbana, pela Escola e pelo SUS.


Imagem de destaque: Eddie Kopp / Unsplash

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *