Teletubbies emergenciais

– as redes pedagógicas não caem no mar –

Ivane Perotti

“Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move

e que nos põe pacientemente impacientes

diante do mundo que não fizemos,

acrescentando a ele algo que fizemos.” (Paulo Freire)

Na crista das crises revelam-se os matizes sociais: a tela não é branca nem a água é sempre líquida. As ligações covalentes compartilham contextos, as gentes sofrem reveses e as sociedades reinventam-se. Ou não! Esta escrita é sobre o desabafo de um professor:

— Estou me sentindo o Tinky Winky… sem bolsa.

— Sem bolsa?

— É! Lembra dos Teletubbies? O Tinky tinha uma bolsa enorme, lá pelo final dos anos noventa e …

— Lembro. Mas não associei.

— Essa preparação de aulas remotas, teleaulas, aulas pelo WS, GC, FB…

— WC…

— Essa não conheço.

O riso despudorado levou a conversa para o tempo em que, por empréstimo dos ingleses, WC indicava “patente”, longe de significar registro de invenção, lembrava toalete para os fracos, “privada” para os sem rumo e “banheiro” para os descuidados.

— Você relacionou bolsa e… e sanitários?

— Quase! Tantas sílabas travadas…

— Caramba! E eu que pensava apenas na bolsa…

— Tá… a bolsa, o chapéu…as ferramentas dos Teletubbies eram maneiras, né?

— Didáticas?

— Não, só maneiras, mesmo! Isso de que atendiam a um objetivo educacional é furada, não é? Lance de mercado. Pegou?

— Sei lá! Não sei mais pensar em pedagogia. Não consigo alcançar os alunos.

— Estamos todos na mesma.

— Óbvio que não!

— Como não? A maioria dos alunos não têm acesso às mídias, os que têm, não acessam… os professores não têm formação em EAD, as teleaulas são discutíveis, os conteúdos estão uma bagunça…

— Você esqueceu dos relatórios!

— Ah! Nem…

Na crista da crise, um matiz sublinhado em projeto histórico assinala a linha crua que corta a sociedade em duas porções: quem TEM e quem não TEM. Entre as porções, os divergentes, talvez ausentes de sua posição.

— Estou pescando alunos…entendeu? Pescando, com uma artilharia pesada a ferro.

— É rede…estamos em rede, pescando na rede…

Era terça-feira, o dia da semana que cria um hiato entre os demais dias: segunda-feira é preguiçosa, quarta-feira é um dia redondo, quinta é dedicada à expiação, sexta-feira é o começo do fim do começo e por aí vai. O professor sofria de abstinência pedagógica: competia com as manobras da 4.0. A formação em ciências humanas deixava-o com as linguagens a meio mastro. Queria gritar contra o sumiço dos objetivos da educação. Queria falar sobre a importância da motivação para o ensino, para o investimento em tecnologias de comunicação, e sobre a segregação alimentada pela crise da crise em crise. Discursos distorcidos e contundentes ameaçavam a escola. A escola perdia, perdia acessos, interações, diálogos, conversas de equidade. A escola sofria cozimento a fogo alto no embalo assustador de investimentos macabros.

— Entendeu? Sem a bolsa, o Tinky Winky perde poder de barganha.

— Ô, colega… foco! A gente não tem de barganhar nada…

— Como não?

— Bom, na sua analogia, eu sou a Dipsy

— Eu sou Laa Laa…seja ela quem for.

— Mas…mas… isso é um reforço aos conceitos infantiloides do ensino.

— O sol também já foi um bebê… a gente ganha essa! Pega a bolsa…

E quase assim caminhou a conversa em direção ao mar. Redes lançadas, confiança renovada! A escola é mais do que dizem dela. E os professores? Ah! São seres curiosos que temperam com criatividade as ações que fazem do mundo um lugar de aprendizagens. E essa é uma condição inquebrantável!

REFERÊNCIA

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.


Imagem de destaque: Priscila Paula

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