Sobre os desafios de educar em uma sociedade da decepção – exclusivo

Roberto Rafael Dias da Silva

Quanto mais os imperativos do bem-estar e do bem-viver são fixados como meta imprescindível, mais intransitáveis se tornam as alamedas do desapontamento (Lipovetsky, 2007).

Há quase uma década foi publicada no Brasil uma entrevista com o filósofo francês Gilles Lipovetsky, sob o título de “A sociedade da decepção”. Na referida publicação, o autor explora a hipótese de que estamos experienciando, contemporaneamente, um atmosfera de ansiedade, na qual a própria noção de felicidade ingressa em uma condição paradoxal, na qual o entretenimento e o bem-estar permanente dividem espaço com um intenso mal-estar subjetivo. Quanto mais as pessoas buscam pelo seu próprio bem-estar, mais próximas do desapontamento estão – eis a fórmula da noção de “felicidade paradoxal”- permitindo com que possamos refletir sobre as condições de uma “sociedade da decepção”. De acordo com Lipovestky, nosso tempo caracteriza-se “pela multiplicação e pela alta incidência da experiência frustrante, tanto no âmbito público, quanto no âmbito privado”. Para fins desse texto, buscarei produzir breves apontamentos, delineando alguns desafios para seguirmos problematizando as práticas educativas no contexto de uma “sociedade da decepção”. Em outras palavras, valeria a pena interrogar: Quais os desafios para uma sociedade marcada pela transitoriedade, pela provisoriedade e pela intensa individualização?

O primeiro desafio que gostaria de examinar, inspirado nas instigantes problematizações de Gilles Lipovetsky, diz respeito ao enfraquecimento das instituições coletivas, das formas religiosas às formas políticas. Considerando, por exemplo, as questões religiosas poderíamos supor que as pessoas já não fazem mais uso de hábitos piedosos ou de convicções imutáveis em torno do sagrado. Pensando junto com o filósofo, “de agora em diante, compete a cada pessoa procurar as próprias tábuas de salvação, cada vez com menos suporte e alívio provenientes da esfera do sagrado”. Isso não significa, obviamente, apenas um declínio nas formas de experiência religiosa, mas o reconhecimento de que são cada vez mais mobilizadas no âmbito individual. Essa questão, direta ou indiretamente, apresenta-se como relevante para examinarmos os dilemas da escolarização contemporânea, compreender a potencialização do desencanto em torno da instituição ou mesmo problematizar seu ingresso “no universo individualista da livre-opção”.

Um segundo desafio para pensar a escola contemporânea, a partir das provocações de Lipovestky, refere-se à escassez de confiabilidade em torno da escola. Nas palavras do filósofo, a própria instituição escolar se tornou “fonte de decepção”. Esse diagnóstico deriva-se da constatação de que os jovens das periferias, ainda que escolarizados, perceberam que os anos de escolaridade pouco garantiram mobilidade social para suas famílias. Falando do contexto francês, particularmente, Lipovestky defende que “muitos jovens se questionam acerca da utilidade de longos estudos, uma vez que estes não propiciam a obtenção de empregos que correspondam a suas expectativas, vendo-se relegados ao desemprego ou ao salário mínimo”. Todavia, cabe reiterar que isso não significaria a plena exclusão desses indivíduos, visto que, na esfera do consumo, seguem participando das experiências sociais de seu tempo.

Por fim, escolhi tratar de um terceiro desafio advindo das relações entre consumo e decepção. A busca por novas formas de prazer e bem-estar, ou mesmo o desejo de inovação e atualização permanente, sinalizam que “a sociedade de consumo incita-nos a viver num estado de perpétua carência, levando-nos a ansiar continuamente por algo que nem sempre podemos comprar”. O consumo, nas atuais lógicas de mercado, opera simultaneamente com as dimensões do sucesso e do desapontamento, o que também se materializa nos comportamentos de um novo consumidor, que busca modificar sua rotina, aspira por novas experiências e, preferencialmente, através da “ânsia de velocidade máxima”. Nunca se falou tanto em inovação, empreendedorismo e mobilidade, por exemplo. No âmbito educacional, então, poderíamos encontrar o auge das metodologias inovadoras, criativas e centradas na capacidade de incentivar os indivíduos a novas experiências de aprendizagem.

Ao longo desse breve texto, inspirado em algumas provocações advindas do pensamento de Gilles Lipovetsky, procurei estabelecer alguns apontamentos acerca dos desafios emergentes para as práticas educativas, sob as condições de uma “sociedade da decepção”. O enfraquecimento das instituições coletivas, o declínio da confiabilidade em torno da escola e as possíveis relações entre consumo e decepção foram os aspectos que escolhi comentar nesse momento. As condições de uma sociedade da decepção, nos termos propostos pelo filósofo francês, sinalizam que “vivemos em uma sociedade da superabundância de ofertas e da desestabilização das culturas de classe”, que seriam adequadas para os processos hodiernos de “individualização extrema das preferências de cada um”. Restaria seguir interrogando: Como produzir pautas coletivas para um cenário em que a individualização das preferências se intensifica? É possível pensar práticas pedagógicas alternativas em um contexto de inflação das novidades e das decepções?

Referência:

LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade da decepção. Barueri: Manole, 2007.

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