Sobre a volta ao trabalho na escola: distanciamento social é Direito Humano em tempos de COVID-19

Analise da Silva*

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconheceu a saúde como direito inalienável de todas as pessoas. Reconheceu-a, também, como um valor social a ser defendido por toda a humanidade. Junto à saúde, o texto da referida Declaração destaca a obrigação de proteger, respeitar, reconhecer e garantir o direito à vida. A partir desta leitura, avalio que a defesa do Distanciamento Social configura-se como uma das possibilidades desta defesa do Direito Humano no combate à pandemia da COVID-19.

Na semana passada o Governo do Estado publicou um documento que, na minha leitura, não protege, respeita, reconhece e não garante o direito à vida dos funcionários públicos da área da Educação em Minas Gerais, uma vez que flexibiliza o distanciamento social. O documento a que me refiro é a Deliberação do Comitê Extraordinário COVID-19 nº 26, que dispõe sobre o regime de teletrabalho no âmbito do Sistema Estadual de Educação, enquanto durar o estado de CALAMIDADE PÚBLICA em decorrência da pandemia Coronavírus – COVID-19, em todo o território do Estado.

Por meio daquela deliberação o SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAÚDE informou que a partir do dia 14 de abril de 2020, terça, ficava determinado o retorno às atividades para os seguintes servidores em exercício nas unidades da Rede Pública Estadual de Ensino: I – ocupantes dos cargos de provimento em comissão de Diretor de Escola e Secretário de Escola; II – detentores das funções gratificadas de Vice-Diretor de Escola e de Coordenador de Escola; III – ocupantes de cargo efetivo ou designados para a função de Assistente Técnico de Educação Básica; IV – auxiliares de Serviços de Educação Básica; V – ocupantes de cargo efetivo ou designados para a função de Analista Educacional – Inspetor Escolar.

Em uma primeira referência, aponto como problemas para a implementação desta deliberação:

a) a ausência de previsão de pagamento dos trabalhadores da Educação da Rede Estadual;

b) a ausência de pagamento do 13º salário ao conjunto destes trabalhadores que representam 400 mil famílias em nosso estado;

c) o indicativo é a ida física à escola, pois a proposta de teletrabalho é caso o trabalhador não vá para a escola;

d) caso não haja possibilidade de teletrabalho o servidor está sendo induzido a tirar férias e temos sido instruídos pelos especialistas a não atribuir o caráter de férias ao distanciamento social, pois isso iria contribuir com o alastramento do vírus

e) ainda é relevante observar que as férias são de gozo espontâneo do trabalhador, dentro da legislação vigente, não devendo ser induzidas pela administração pública como meio de contornar uma situação que ultrapassa a todos dada sua natureza;

f) folgas compensativas, com obrigatoriedade de reposição a posteriori faz com que a suspensão do trabalho, por causa de um estado de calamidade pública, seja revertida em uma punição ao trabalhador – dado que se afastou não por um querer, mas por uma imposição do Estado de Calamidade Pública.

g) há trabalhadores que, tendo sido contratados, terão seu contrato interrompido antes da possibilidade de “pagamento” dos dias parados, sendo, portanto, culpabilizados com o desconto em salário ou demais punições passíveis em resolução já editada;

h) muitos dos trabalhadores das escolas estaduais integram a parcela que exige maior deslocamento e para as comunidades mais empobrecidas;

i) a metodologia do teletrabalho não atende as escolas no campo e as escolas indígenas, dadas as suas especificidades e, incentivar qualquer movimentação nas áreas rurais e indígenas nesse momento não é coerente, tendo em vista que esse espaço geográfico tem sido considerado o “seguro” com relação ao índice de contágio pelo COVID-19.

Estamos em um dos momentos mais críticos da pandemia vividos até aqui, pois somos alertados pelos infectologistas que nos próximos quinze dias é fundamental segurarmos o distanciamento social porque o vírus já está circulando muito.

Explicando melhor, por exemplo em Belo Horizonte, com População Estimada em 2020 de 2 milhões, 501 mil, 576 de habitantes, estima-se que 10% da população será infectada pelo Coranavírus, ou seja, 250 mil, 158 pessoas. Estima-se que 5% dos infectados precisarão de leitos de UTI, ou seja 12 mil,510 pessoas precisarão de leitos de UTI. Ocorre que Belo Horizonte, que é a capital, tem 1 mil e 037 leitos de UTI pelo SUS e 739 pelo Setor Privado, o que indica que serão doze infectados disputando um leito. Além disso, Belo Horizonte conta com 1mil, 256 aparelhos de respiração mecânica disponíveis no SUS.

Portanto, não é hora de determinar retorno às atividades, pois a maioria destes trabalhadores não tem condições de realizar estas atividades por meio de teletrabalho, por não possuírem equipamentos adequados e, ainda, porque segundo o IBGE, 32% da população mineira não tem acesso à internet. Ter acesso é não precisar do sinal de outra pessoa para se comunicar. Somada a esta ausência de condições, a deliberação por seu retorno ao trabalho, mesmo que por teletrabalho, forçará os servidores públicos a se deslocar aos locais de trabalho, rompendo com o necessário e urgente distanciamento social.

A manutenção dos trabalhadores, estudantes e famílias em suas residências, em distanciamento social deve ser a prioridade do Governo do Estado de Minas Gerais neste momento pelo caráter de contenção da crise de saúde pública para minorar a crise social.

Por fim, aponto que é papel do Estado garantir a vida de todos os seus cidadãos e cidadãs com medidas de contenção do alastramento da pandemia do Coronavírus, neste momento, inclusive a dos servidores públicos mais vulneráveis.

Dessa forma, avalio que foi correta a deliberação da justiça que, no último dia 15 de abril, deferiu pela suspensão da determinação contida na Deliberação nº 26/20, “até que sejam regulamentadas e implementadas as medidas nela estabelecidas, de forma a assegurar aos servidores da educação as condições mínimas para o regular exercício de suas funções, sem comprometimento de sua vida e saúde”. Sabemos que retornarão à carga, porém aqui estaremos para defender o direito humano ao distanciamento social, neste momento da luta contra a COVID 19.

Sigamos!

*Professora Associada da Faculdade de Educação da UFMG


Imagem de destaque: FelipheSchiarolli/Unsplash

 

 

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