Silene

Marileide Lázara Cassoli

A fotografia em preto e branco vem acompanhada da data: 1970. Há exatos cinquenta anos atrás. Ficamos todas “congeladas” naquele tempo e espaço em que éramos crianças e brincávamos no pátio do Colégio, o Sagrado Coração de Jesus, na cidade de Marília, São Paulo. A foto, tradicional naquele tempo, era uma recordação dos coleguinhas pois finalizávamos o então pré-primário. Entre as duas rampas que dão acesso ao piso superior do Colégio – arrisco o verbo no presente, prefiro acreditar que ainda estejam lá, intocadas – o pequeno jardim cerca de flores a estátua do Cristo, imensa e em destaque sobre a pilastra, com o coração cercado por espinhos….

Estávamos ali, em fila dupla.  As mais altas, atrás, em pé. As menores, à frente, sentadas no pequeno degrau que separava o jardim do restante do pátio. À esquerda da fotografia, em pé, a professora, a Irmã Marinês. Postura rígida, em seu hábito branco, mantendo a ordem, como sempre fazia!!! Algumas distraídas, outras flagradas em gestos que poderiam ser considerados pouco adequados ao espírito da fotografia. A espontaneidade não estava na ordem do dia. Não consigo me lembrar do nome de todas elas – sim, erámos somente meninas, o Colégio ainda não permitia as classes mistas – embora tenhamos seguido juntas, praticamente todas, nos anos seguintes até o final do então II Grau, quando, aprovada no vestibular em História na Universidade Federal de Ouro Preto, fui aos poucos me distanciando da menina que fui e das meninas com as quais compartilhei boa parte de minha infância e adolescência. Mesmo quando retornava à cidade no período das férias os re-encontros foram perdendo o sabor dos anos convividos. Realidades muito diferentes. Da cidade do interior de São Paulo, pacata, segura – em todos os sentidos –  para o universo do curso de História em uma Universidade Federal, nos anos finais do Regime Militar, o distanciamento foi silenciosa, naturalmente e inevitavelmente se instalando.

Recentemente, há uns quatro anos, mais ou menos, creio eu, reencontrei duas das meninas da fotografia por meio do Facebook. Foi uma alegria! Trocamos notícias sobre a vida vivida nos anos de distanciamento. Estudos, profissões, casamentos, não casamentos, divórcios, família… Conversa, dessas, comuns, que a gente tem com quem não vê há muito tempo. Há um mês, uma delas, a maior companheira de infância e adolescência, faleceu. Em meio à pandemia, chega a ser estranho que a morte chegue sob outras formas que não a do vírus. A vida segue, implacavelmente, seu curso. Não sem dor, obviamente…

Recorri à fotografia do Colégio para aplacar o sentimento da perda. Crianças, passaríamos a adolescência juntas, melhores amigas! A descoberta dos meninos, os amores da juventude, o baile de carnaval à noite, as idas ao “Dom Quixope”, ponto de encontro preferido para o final de semana, eram momentos cercados por uma alegria ingênua, de quem sonhava com o futuro a ser construído. O que poderia dar errado?

Olho a fotografia, aqui, ao meu lado enquanto escrevo. Penso em cada uma daquelas meninas. O que teria acontecido com cada uma delas? Impossível saber. Contudo, estaremos sempre intocadas na fotografia.


Imagem de destaque: Acervo pessoal da autora.

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