Renda básica enquanto necessário

Dalvit Greiner de Paula

Lá pelas tantas de seus escritos, Hannah Arendt nos diz que temos direito ao mundo. Ou seja, nós temos direito a tudo o que a humanidade criou, inventou ou produziu até o momento. Por essas e outras é necessário defender a internet para todos uma vez que qualquer governo eficiente já teria espalhado, por maior que seja o seu território, essa tecnologia até os seus confins. Porém, essa é uma tecnologia cara no Brasil, o que vem impedindo o acesso de vários estudantes à escola. Por isso, temos direito a tudo o que a humanidade criou até o momento. Temos direito ao planeta e ao mundo.

John Locke, um dos pais do pensamento liberal explica-nos que a propriedade surge do trabalho. O homem com suas mãos e seu cérebro transformam a natureza. Para ele, a natureza – o planeta – foi dado ao homem e disponibilizado para o seu bem-estar. Mas, veja bem: o bem-estar, para Locke, só é conseguido pelo trabalho. O argumento liberal é de que se aquilo que estava disponível na natureza e você pegou, é seu. Muito bom! Mas, você não pode pegar e não deixar para o outro. Ou ainda, impedí-lo também de pegar. Justamente porque o planeta é tão seu quanto dele. O problema é que os liberais, mesmo no tempo de Locke, esqueceram essa ressalva. O próprio Locke cuidou disso com outros argumentos que não concordo. Pensando com Locke eu posso cercar um pedaço de terra e plantar para comer, eu e minha família, e não mais que isso. Posso e devo ter uma casa e não duas.

No Brasil, isso se chama a função social da propriedade descrita no artigo 170 da Constituição de 1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) III – função social da propriedade”. Assim, a nossa Constituição, ao definir a ordem econômica valoriza o trabalho e a livre iniciativa como forma de garantir uma existência digna para todos. Fixemo-nos nestas últimas palavras: existência digna para todos. Agora, olhe à sua volta!

Ora, como disse Locke só podemos amealhar aquilo que é necessário para o nosso bem–estar sem impedir que o outro também o faça. E como no Brasil toda a terra está cercada – lembrando que terra indígena e quilombola é propriedade coletiva e já tem função social explícita – não nos restou muita coisa para morar e nem mesmo para trabalhar. O capitalismo, para sobreviver, retira e nega a função social da propriedade. Não temos mais os meios para suprir nossas necessidades, na medida em que o capitalismo roubou (se quiser, pode falar expropriou) tudo o que nos é indispensável à vida. A solução está em distribuir a riqueza produzida por todos os trabalhadores e amealhada por alguns poucos patrões. É preciso retirar dos patrões tudo aquilo que eles não produziram e tomaram para si, protegidos pelo Estado. É nessa medida que o Estado brasileiro não se torna o vigilante da Constituição de 1988, pois ele valoriza a iniciativa privada, desvaloriza o trabalho e não garante uma existência digna para muitos brasileiros.

Nesse momento, em que dizem que a pandemia escancarou o fracasso do sistema, afirmo o contrário: a pandemia não escancarou o fracasso do sistema. O sistema capitalista é um sucesso – veja como os bancos ganham muito dinheiro -, porém não para nós, o lado explorado da sociedade. Ou seja, o sistema é um fracasso social desde o seu surgimento. Por isso, devemos discutir o direito a uma Renda Básica de Cidadania como forma de não precarizar mais ainda o trabalho e a nossa sobrevivência.

Renda Básica de Cidadania não é para alimentar vagabundo que não quer trabalhar. Todo ser humano tem a necessidade de trabalhar para manter o seu bem-estar. E todo ser humano quer trabalhar, mas não quer ser explorado. O que precisamos entender é que o trabalho foi e continua sendo tirado de nossas mãos. O seu patrão rouba-lhe, todos os dias o seu trabalho, o seu tempo livre. Ou seja, o trabalhador é duplamente roubado: a terra e o trabalho.

Uma renda básica é uma base sólida o suficiente para o ser humano deixar de ser apenas um trabalhador e se tornar um cidadão. Ela deve ser construída para que o homem possa se lançar à criatividade. Os seres humanos não deixarão de trabalhar, estudar e cuidar de si e do mundo porque receberão um renda básica. As necessidades humanas não são apenas comer e beber. Elas são maiores que isso. Ao criarmos uma renda que se estenderá até o pleno emprego da sociedade conferiremos dignidade e liberdade aos cidadãos deste país. A seu tempo, as pessoas continuarão produzindo com a tranquilidade necessária ao crescimento do país sem a necessidade de trabalhar tantas horas durante o dia.


Imagem de destaque: Calvin Ma / Unsplash https://zp-pdl.com zp-pdl.com https://www.zp-pdl.com http://www.otc-certified-store.com/hypertension-medicine-europe.html

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